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WAH WAH E O SOM DO SOUL

O guitarrista fala sobre o efeito que popularizou, nos anos 70, em discos de Quincy Jones e dos Temptations

Por Roberto Nascimento
Atualização:

Wah Wah Watson está confiante. Um dia desses garimpou do baú meia dúzia de jaquetas de couro, das que usava nos anos 70, quando atuou como um dos mais requisitados guitarristas da Motown, e saiu pela rua se sentindo um Shaft. Tinha emagrecido 20 quilos por causa da diabete, e resolvera montar um selo para lançar décadas de material engavetado. O respaldo de fãs nas redes sociais o levara à conclusão de que a vida vale a pena."Dizem que sou lendário. Mas essas palavras usadas por jornalistas são besteira. Gênio. Lendário. Tanto faz. Sou um cara que foi atras dos sonhos, e descobriu que eles viram realidade", conta Wah Wah, que toca no Brasil amanhã, acompanhando a banda Eyedentity, formada por seus afilhados, Krishna e Diana Booker, criados por Airto Moreira e Flora Purim. Se fosse uma cena de filme, Wah Wah andando por Los Angeles, engomado à la herói de blaxploitation, teria trilha do próprio, tocando a guitarrinha malandra que imortalizou em discos dos Temptations e de Barry White, e que é tão associada à música de filmes da época, de pornô a gêneros de ação. Wah Wah, já diz o nome/cartão de visita de Melvin Ragin, de 60 e poucos anos, é o som percussivo tirado do efeito de sua guitarra. Na época em que foi um dos instrumentistas titulares de bandas da Motown, como Martha and the Vandellas, o modo distinto com que usava o efeito (pense Voodoo Chile, de Hendrix) se tornou a sua assinatura sonora. "O Dennis Coffey (guitarrista) tinha um. Tocava aquele 'nheconheconheco' o dia inteiro. Mas isso é fácil. É só apertar e soltar o pedal. Eu decidi fazer algo novo. Hendrix tinha usado o wah wah, mas de forma diferente. Quando ouvi Isaac Hayes fazendo aquela percussão com o efeito na trilha de Shaft, pensei 'baby, tenho que inventar a minha própria versão disso aí'", conta o sorridente Wah Wah, que logo adicionou efeitos à sua guitarra e gravou a clássica guitarra de Papa Was a Rollin' Stone, dos Temptations, lançada em 1972. Barry White se interessou pelo som e, no ano seguinte, Wah Wah gravou mais uma guitarra imortal em Love's Theme, do barítono. "Quando cheguei ao estúdio para gravar com Quincy Jones, disse 'é um prazer trabalhar com você'. Ele me perguntou, 'você é o cara que faz aquele barulho chitá chitá no disco do Barry?'. Eu disse que sim, e ele disse 'cara, é um prazer conhecer você", lembra Wah Wah. A gravação, na ocasião, era o disco Body Heat, clássico de Quincy, de 1974. Dali em diante, o guitarrista tornou-se um dos nomes mais requisitados da indústria. Chegou a gravar um belo disco solo, Elementary, em 1976, mas preferiu os bastidores das gravações, e construiu um legado impressionante. Toca em Let's Get it On, de Marvin Gaye, Off The Wall, de Michael Jackson, Slowhand, de Eric Clapton. Só petardo. Desde os anos 90, tem participado de discos de Me'Shell NdegéOcello, Stevie Wonder e Maxwell, mas diz que agora quer tocar a própria carreira. "Eu enterrei minha mãe de 90 anos, em 2010. Sempre que toquei com Herbie e Me'Shell e todas estas pessoas, minha mãe me dizia 'você tem que concentrar-se na sua própria música. Essas pessoas não apreciam o que você faz'", diz. Inspirado pelas palavras maternas, Wah Wah montou a Wah Wah Watson Music para, em suas palavras, "levar a música de volta às pessoas". Em outras palavras, está cansado de ser explorado pelas gravadoras. Já gravou material novo com Ray Parker Jr., o compositor da trilha de Ghostbusters, e conta que vai lançar tudo em breve. Para o show no Brasil, que será amanhã e sexta-feira, no Sesc Pinheiros, Wah Wah juntou-se a Krishna e Diana Booker. (Krishna é filho biológico do baixista Walter Booker.) Trata-se de uma banda de funk, soul, hip-hop, jazz e afins, que herda dos pais a tendência à mistura. A faixa de certeiro suingue, Yes We Will, tem funk com rimas de hip-hop, com a ajuda do 'titio Wah Wah', como o próprio se autodenomina, na guitarra. "O Barry me disse certa vez. (Wah Wah imita o grave do soul man) 'Wah Wah, não vou te levar ao Brasil comigo. Tem muita mulher bonita lá. Corro o risco de ficar sem um guitarrista", conta Wah Wah, em meio a simpáticas gargalhadas. Ele lembra ainda de toda a sua participação na história da música negra, e garante sentir-se orgulhoso de poder ganhar a vida fazendo a coisa que mais ama. "Quando era pequeno, certa vez passei na frente de uma loja de instrumentos, com a minha mãe. A guitarra custava US$ 15, era depois da igreja (meu pai era ministro) e minha mãe, disse que eu não sabia tocar. Eu disse: 'Mama, se você comprar essa guitarra, eu juro que vou aprender'. O resto é história", conta Wah Wah.

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