PUBLICIDADE

Volta, Stanislaw

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

O besteirol é um esporte e recordes existem para ser quebrados. O problema é que bons cronistas de esportes não se reproduzem com a rapidez dos atletas. Tomemos Stanislaw Ponte Preta, o saudoso Sérgio Porto, que nos prestou um serviço inestimável, em plena ditadura militar, com o Febeapá - O Festival de Besteira Que Assola o País.Você anda com a sensação de não entender o que ouve ou lê no seu velho e castiço português? Como minha rotina é bilíngue - eu me confundo em inglês também -, sinto não contar com o Stanislaw para consolar minhas pausas de incredulidade. A última semana foi farta nessas pausas.O corpo de um ex-funcionário do Pentágono e ex-assessor do governo de George W. Bush foi encontrado num depósito de lixo, em Delaware. John Wheeler, empresário e veterano do Vietnã, tinha 66 anos. O homicídio, enquanto escrevo, ainda não foi esclarecido. O advogado do influente defunto declarou solenemente a um jornal nova-iorquino: "Ele não era o tipo de pessoa que você encontra morta numa pilha de lixo." O motorista do caminhão de lixo que despejou a carga inesperada não estava disponível. Se eu tivesse acesso ao gajo, teria perguntado: Qual é o tipo de pessoa que você costuma encontrar, sem vida, misturada ao resto de entulho?Se o leitor quer uma Sarah Palin reciclada, aqui vai: Michele Bachmann. A deputada de Minnesota é uma transbordante usina de asneiras radicais. Por isso, talvez, já começa a subir nas especulações para 2012. Interpelada sobre uma possível candidatura à Presidência, iaiá Bachmann respondeu: "Não estou me concentrando em ambições pessoais. Vou fazer tudo o que puder para que Obama não consiga um segundo mandato." Hum, vejamos. Concorrer à Presidência é um projeto pessoal. Impedir Obama de vencer a eleição é... Deixa pra lá. Afinal, trata-se da mesma deputada que acusou Bill Clinton de planejar seu assassinato. E o chorão John Boehner? (Atenção, pronuncia-se "Bêiner" ou o que sai é um termo impróprio para este jornal). O lacrimoso deputado estreou, fungando, para variar, como presidente da Câmara. Na primeira entrevista depois da posse, o repórter perguntou se ele ia passar um pito nos colegas de partido recém-eleitos que continuam a afirmar que Barack Obama é estrangeiro e, portanto, impedido, pela Constituição, de governar. Boehner deu um show de liderança: "O Estado do Havaí declarou que o presidente Obama nasceu lá. Para mim, basta." É um alívio saber que a terceira criatura na linha da sucessão presidencial acredita na legitimidade das certidões de nascimento emitidas no arquipélago transformado em Estado americano - enquanto se recusa a criticar os extremistas que duvidam da legitimidade da eleição de Barack Obama.Um importado da Inglaterra, Piers Morgan, estreia segunda-feira que vem no horário nobre da CNN, recém-desocupado pelo veterano água com açúcar Larry King. Na primeira coletiva para promover seu novo talk show, Morgan não perdeu tempo: "A ideia de uma figura santa na TV é insuportável." Será que meu controle remoto quebrou? Não tenho encontrado nenhum santinho no horário nobre americano. O destemido britânico continuou na linha que há de atrair incontáveis entrevistados para a sua figura charmosa: "Você tem que ser mais agressivo. Tem que gritar mais alto." Já estou vendo a fila à porta do estúdio - Brad e Angelina, Sean Penn empurrando Julia Roberts e Warren Beatty suplicando uma vaga -, todas essas celebridades acostumadas a maus-tratos.E o Julian Assange, o priápico fundador do WikiLeaks, hoje em doce prisão domiciliar numa mansão nos arredores de Londres? A edição da revista Vanity Fair de fevereiro vai relatar uma cena curiosa protagonizada pelo australiano. Munido de advogado, Assange irrompeu, furioso, no escritório do editor chefe do jornal inglês The Guardian, Alan Rusbridger, e ameaçou processar o jornal. Motivo? Os 250 mil documentos que o WikiLeaks obteve clandestinamente haviam sido transferidos para o Guardian por um voluntário do WikiLeaks, durante negociações iniciadas pelo próprio Guardian. Assange, que não para de dar entrevistas sobre a necessidade de vazar qualquer tipo de informação e combater todas as formas de censura, estava embriagado pelo poder da grande mídia de atrair atenção para os segredos de governos e corporações. Queria controlar o fluxo de divulgação e bradou: "Eu sou o dono de todos os documentos." Atenção, Dr. Strangelove, seu psiquiatra o aguarda no setor de informações."Parece que a idade de ouro dos assassinos seriais já passou", suspirou o renomado criminologista Harold Schechter, da City University em Nova York. Ele comentava a queda do número de homicídios atribuídos a um só autor. Que decadência. Nem os assassinos seriais perseveram, hoje em dia.No balcão onde costumo tomar café de manhã cedo, com vista para a calçada, já notei, uma vez ou outra, um passante do lado de fora me encarar. Deve ser porque me viu sacudindo a cabeça, enquanto leio o jornal. O Stanislaw haveria de compreender, como ninguém, esta idade de ouro dos assassinos do bom senso.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.