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Volta ao lar impregna arte de David Hockney

Mostra em São Francisco revê a grandiosidade da produção do artista inglês quando retornou à terra natal

Por Roberta Smith/ São Francisco
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Aos 76 anos, David Hockney está em seu apogeu, e aparentemente sabe disso. Não por outra razão sua exposição no Young Museum de São Francisco foi provocativamente intitulada David Hockney: A Bigger Exhibition. A mostra, aberta até o dia 20, que reúne mais de 300 obras em vários meios e tecnologias, ocupa 10 salas grandes e cobre principalmente a produção da última década dos 60 anos de carreira de Hockney. Ela é dominada por paisagens radiantes - algumas do tamanho de murais - dos campos e bosques em diferentes estações de East Yorkshire na Grã-Bretanha, perto de Bradford, onde Hockney nasceu e cresceu. Telas como A Chegada da Primavera em Woldgate e East Yorkshire em 2011 defendem, de modo convincente, que escolas que deram origem ao modernismo, como o pós-impressionismo e o fauvismo, foram essenciais para a evolução da pintura. Sintetizando aspectos da arte de Munch, Klimt, Dérain, Cézanne, Van Gogh e o Bonnard tardio, essas obras são sedutoramente modernas por suas cores chocantes - estradas de magenta vivo, troncos de árvores púrpura e laranja, junto a uma profusão de diferentes verdes e amarelos -, tatilidade sem afetação, rabiscos, escala interna ousada e dimensão típica do expressionista abstrato. 

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Com ênfase em cenas rurais bucólicas que parecem muito britânicas, elas, no entanto, transmitem a grandiosidade da natureza. E também confirmam a teoria de Hockney de que a pintura de representação pode dizer mais sobre realidade e percepção do que a fotografia ou o olho humano, uma das razões pela qual ela ainda empolga. 

Com a curadoria de Richard Benefield, vice-diretor do Young, trabalhando com Gregory Evans, gerente de negócios e exposições de Hockney, a mostra está dividida em seções: En Plein Air, From Pixels to Print, Looking Up e Back to Basics. As pinturas de paisagens são completadas por aquarelas, retratos excepcionais a carvão e autorretratos em vários meios. 

Há hábeis desenhos em iPhone e iPad: muitos deles voam sobre telas planas, parando ocasionalmente para mostrar o processo de um ou outro sendo feito. Isto nos dá a estranha sensação de estar dentro do desenho, olhando para fora, e esclarece por que os melhores exigem mais trabalho. Outros, impressos em imensas folhas de papel, parecem pastéis cujas texturas foram espanadas, o que é mais interessante do que parece. 

Há cerca de 20 exemplos dos livros de esboços que Hockney continua a carregar para quase todo lugar onde vai - cada página sua visível em telas planas adjacentes -, além de várias incursões em vídeo. Dito isso, a exposição constitui um retrato em profundidade do artista como um progressista fluente na tradição, trabalhando sem parar no auge de suas potencialidades, lidando destramente com modos digitais e analógicos de representação e buscando vigorosamente o novo em várias frentes. 

Hockney sempre foi um artista prolífico, curioso sobre como obras bidimensionais transmitem as complexidades da experiência real. Ele tem sido uma estrela das artes desde que surgiu, no início dos anos 1960, com um estilo de pintar pop personalizado em que figuras de uma rigidez egípcia eram vistas contra fundos planos (um estilo evocado em seus vídeos recentes com malabaristas e acrobatas). De lá para cá, sua carreira poderia ser descrita em termos de uma crescente consciência do espaço ilusionista em sua própria obra e em toda a história da pintura, encorajado por sua experiência com câmeras estáticas e móveis e seus cenários para óperas. 

Depois que Hockney se estabeleceu em Los Angeles, em 1964, sua arte se tornou cada vez mais envolvida com luz e espaço reais. Seu interesse nesses temas se expandiu ainda mais no início dos anos 1980, quando começou a tirar várias fotos Polaroid e arranjá-las em grandes colagens para criar visões elaboradamente fragmentadas de um determinado tema. 

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Essas imagens instigaram no pintor um interesse incomum no cubismo, que o levou a concluir que os pontos de vista múltiplos desse estilo eram talvez mais próximos da percepção real que o ponto de fuga único da pintura ocidental. 

Ele também recorreu à tática espacial da pintura chinesa, como se evidencia em Day on the Grand Canal With the Emperor of China (ou Surface Is Illusion But So Is Depth), filme fascinante de 1988 em que ele discute os pontos de vista contínuos, mas cambiantes, de um pergaminho chinês do século 17, enquanto a câmera percorre os 21 metros de comprimento da obra. 

A essa altura, Hockney era um dos mais populares dentre todos os artistas vivos. Milhares de pessoas que, se não fosse ele, não estariam muito interessadas em arte moderna, achavam seu trabalho irresistível. 

Como muitos no mundo das artes, eu resisti a ele por anos, achando-o agradável e ilustrativo, mais desenho do que pintura e (OK, era muito esnobe), vendo sua popularidade como sinal de fraqueza. 

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Mas, depois de algum tempo, sua arte parecia interessante demais para se resistir a ela. Eu amei o filme sobre o pergaminho e dois cenários de ópera que assinou. Finalmente, fui seduzida pelas grandes e brilhantes paisagens de 2006-09 exibidas na Pace Gallery, em Nova York, há quatro anos. Algumas dessas pinturas e outras mais recentes formam o núcleo da mostra do Young. 

A fase recente de Hockney só começou de fato depois do fim dos anos 1990, após ele ter feito viagens regulares a Yorkshire para cuidar de seus pais e um amigo. Ele se estabeleceu ali, por fim, em 1999. A vantagem de East Yorkshire sobre Los Angeles não era apenas suas paisagens abundantes, mas também as mudanças dramáticas de terra e plantas ao sabor das estações. 

O que Hockney aprendeu com a pintura chinesa - que a tela pode combinar continuamente várias perspectivas para uma experiência de espaço mais completa que a vida real - foi aplicado em muitas dessas pinturas, em especial nas que registram as estações em Woldgate Woods. 

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Esses trabalhos são, em certo sentido, um tipo excêntrico de fotorrealismo, que vai além tanto das fotos como do realismo. Eles são elaboradamente orquestrados. Hockney começaria primeiro fotografando uma vista escolhida com múltiplas câmeras montadas numa caminhonete, criando uma vista que ele registrou de mais de 180 graus. Depois ele recapturaria essa imagem expandida em tela, voltando a pintá-la com base na paisagem natural - ao ar livre - uma vista individual por vez, com frequência em painéis separados. Esse processo explica a vastidão de suas pinturas. 

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E ter a fotografia como inspiração pode de fato libertá-lo para pintar além dela, num estilo solto, uma combinação maravilhosa. Isso é particularmente visível nos galhos torcidos das árvores no primeiro plano de A Closer Winter Tunnel, February-March (2006).

Hockney também usou sua caminhonete equipada com câmeras para fazer vídeos que podem ser vistos na mostra numa instalação de quatro painéis com nove telas cada um, filmados enquanto ele guiava no mesmo curto segmento de Woldgate Woods em cada estação. É uma visão maravilhosa, esse pequeno trecho da Inglaterra nos tons de ferrugem do outono, no branco do inverno, com os brotos da primavera e os verdes do verão. Mas é difícil não pensar que uma razão para Hockney as ter incluído é nos fazer ver que as pinturas que estão penduradas perto dos vídeos oferecem uma experiência mais satisfatória./ TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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