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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Você me ouve?

Vamos ao parque. Saudade de brigar por causa do Horário Eleitoral. A eleição já começou. Este ano está complicado. A cachorra latiu perguntando de você

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Por Gilberto Amendola
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“Pai, pai, o Palmeiras empatou de novo. Tem muito picareta no futebol. Faz um queijinho pra mim. Tem aquela azeitona preta que a gente gosta. Ah, também tem um uísque te esperando. A gente vai beber junto. Dezoito anos, acredita? O seu neto fica o tempo todo repetindo “vovô, vovô”. Ele já colocou um estetoscópio de plástico ao redor do pescoço e avisou que é o ‘dotô’. Você é forte. Fica firme. Descansa. Eu tô comendo bem. Minha rua é segura. Não se preocupe. Você me ouve? É a mãe quem está apertando sua mão.

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Vamos ao parque. Saudade de brigar por causa do Horário Eleitoral. A eleição já começou. Este ano está complicado. A cachorra latiu perguntando de você. Está todo mundo aqui. Você não está sozinho. Eu já falei pra Xu que você quer dar uma volta de carro. Acho que é só você que ainda fala em ‘esquentar’ o carro. Isso era no tempo do Monza. Lembra dele? Você descia antes para ‘esquentar o carro’ enquanto eu me arrumava para ir à escola. Você me fazia comer um pãozinho antes de sair. A pandemia não acabou, mas vai passar. Ano que vem tem vacina. Essa é a nossa torcida. É a mãe quem está cantando. Nem sei se você gosta dessa música.

É Roberto Carlos? Seu cabelo está bonito. Acenderam uma vela na mesa da sala. Estamos cobertos por todas as denominações religiosas que eu conheço. E pelo plano de saúde. Relaxa. Vai dar tudo certo. Você me ouve? Ligaram de Portugal. Ligaram da zona leste. Lembra de quando eu era criança e você sempre me comprava uns pacotinhos de figurinha? Você chegava com os pacotinhos na hora do almoço. Eu ficava esperando por aquele momento. E não falhava nunca. A mãe vai fazer pavê. A gente só pensa em comida. Tiraram o tumor inteiro. Vou voltar a fazer exercício. Tô meio barrigudo mesmo. Não vou andar mais com as calças caindo. Você me ouve? Esta semana não saiu nenhuma matéria minha no jornal.

Tô trabalhando de casa. A Xu me dá carona todo dia. O Amaro ainda não destruiu o apartamento novo. Mas já mijou no colchão. A mamãe fica o tempo todo do seu lado. Você me ouve? Continuam te mandando muita sacanagem no WhatsApp. Este ano não deu pra viajar. Vamos comer um peixinho em Santos? A mãe trouxe um cobertorzinho. Seu vizinho de cama já não é o mesmo de quando você entrou. Só deixam a gente ficar 30 minutinhos. A enfermeira é simpática. O médico disse que a gente precisa ter paciência. Paciência, pai. A visita acabou. Até amanhã. Só podem subir na UTI dois visitantes por dia. Quando eu não estou aqui, fico esperando na lanchonete do hospital. Tem coxinha. Assim fica difícil perder barriga. Acorda, pai. Logo, você vai acordar. Você me ouve? Tenho certeza que sim. Fica bem. Te amo.”  * É REPÓRTER DO ‘ESTADÃO’ E OBSERVADOR DA VIDA URBANA

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