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Violência afasta Netinho da "Turma do Gueto"

Contrariado com o excesso de violência, o cantor decidiu deixar o programa. Agora, planeja um infanto-juvenil. "A maioria das crianças negras cresceu vendo Xuxa, Angélica, Eliana, nenhum negro", explica

Por Agencia Estado
Atualização:

Contrariando a idéia de que negro não gosta de ver negro na TV, José de Paula Neto, o cantor Netinho, bancou e emplacou o seriado Turma do Gueto, que após seis meses se tornou um dos maiores sucessos da Record: disputa cabeça a cabeça com o sofá reluzente de Hebe, na faixa dos 10 pontos de média no ibope. Mas o criador está desgostoso com os rumos do programa que, a pedido da Record, reforçou as cores da violência. Por isso, Netinho parte para novos projetos, como um filme e um seriado infanto-juvenil com elenco predominantemente negro. Por que um anúncio da Record se gaba que no sofá da "Turma do Gueto" há mais gente do que no da Hebe? Netinho - As pessoas estão muito a fim de conhecer o que acontece de verdade na periferia e não só por meio do mundo-cão dos programas jornalísticos. Onde vivem os pobres e negros não é um mundo só de violência. É isso que queríamos mostrar com a Turma do Gueto, do mesmo jeito que fizeram em Cidade de Deus, Cidade dos Homens e Carandiru. Há um consenso na TV de que pobre não gosta de ver pobreza, você concorda? Quando fui fazer o Samba, Pagode & Cia. na Globo, eu e o Alexandre Pires ouvimos de um diretor que negro não assiste negro. Não é verdade. Lancei o quadro da Princesa em que um negro vai buscar uma garota pobre na favela e é sucesso até hoje. Por que no bolo da audiência do Turma há uma boa fatia das classes A e B? As pessoas querem entender o que acontece porque estão sendo agredidas por gente da periferia. Perceberam que não adianta se isolar e que é preciso conhecer essa realidade. Qual é seu maior público? São as pessoas das classes C, D e E porque se identificam, porque só no programa é que se vêem de uma maneira real. No noticiário, negro e pobre só aparecem como bandidos. Mas na "Turma do Gueto" a bandidagem tem dado o tom. Quando idealizei o programa queria bater mais nas questões sociais. Mostrar o sucesso de pessoas da periferia que lutaram e conseguiram. Mas a emissora pediu para enfocar a violência porque dá mais audiência. Isso me incomodou muito e por isso não vou mais fazer. Só participo dos dois primeiros episódios da terceira fase, que começa em junho, e me retiro. Mas você é dono do programa? Sou sócio da produtora Casablanca e investi R$ 400 mil. Mas quero fazer outro seriado, sem violência, um infanto-juvenil com meus filhos. Infanto-juvenil? As crianças negras sofrem muito no Brasil porque não se vêem em nada, muito menos na mídia. Quando começou a freqüentar a escola, minha filha Ágata me disse que não queria ser negra. Queria ser loira como a Xuxa. A maioria das crianças negras cresceu vendo Xuxa, Angélica, Eliana, nenhum negro. Onde você buscou os atores do seriado? Buscamos os atores em oficinas culturais da periferia. Nem eram tão bons atores, mas não são piores que os que têm trabalho nas novelas porque são filhos e sobrinhos dos diretores. Você já foi discriminado? Claro, eu sou negro!

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