Vinte anos depois, Nelson Rodrigues mantém-se atual

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Por Agencia Estado
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Depois de oito paradas cardíacas sucessivas e em um domingo de muito calor, daqueles em que costumava descrever a classe média da zona norte do Rio, morria, há exatos 20 anos, o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues. Estava com 68 anos e sua morte foi oficialmente anunciada às 8 horas da manhã. O enterro poderia ter acontecido à tarde, mas se realizou no dia seguinte porque Nelson achava "abominável" a pressa com que as famílias costumam livrar-se dos seus mortos, sem dar a estes a possibilidade de ressuscitar. Entre seus últimos escritos, aliás, estava um bilhete, deixado sobre sua estante de livros, e que dizia: "Gosto da vida". Autor de uma dramaturgia que foi um divisor de águas no teatro brasileiro, unindo elementos melodramáticos, naturalistas e expressionistas, Nelson Rodrigues tornou-se, com o correr dos anos, uma das poucas unanimidades dos palcos nacionais. Sem esquecer do poético, a que deu uma dimensão espontânea, o fanático torcedor do Fluminense nunca esqueceu a corporeidade cênica do drama. Para marcar a perenidade de sua obra, uma série de atividades está programada em sua homenagem, desde a apresentação de um festival de filmes inspirados em suas peças, no Canal Brasil até a leitura dramática de O Beijo no Asfalto, pelo grupo Círculo dos Comediantes, com apresentações gratuitas até sábado. "Uma nova geração está descobrindo o psicodrama do Nélson", comenta o diretor Marco Antônio Braz que, no comando do grupo, especializou-se na obra do dramaturgo - sua mais recente encenação, Bonitinha mas Ordinária, ocupou o Teatro de Arena Eugênio Kusnet até este mês e inicia, em janeiro, uma temporada pelo interior do Estado. "Há ainda um frescor muito grande em suas peças, a ponto de expressões antigas, como ´é batata´, não soarem tão estranhas aos novos ouvidos e estarem perfeitamente adequadas ao contexto", comenta Braz, que iniciou justamente com O Beijo seus estudos profissionais. A apresentação atual, portanto, tem um espírito duplamente comemorativo. O texto foi escrito por Nelson em 21 dias, depois de insistentes pedidos de Fernanda Montenegro, em fins de 1960. O dramaturgo inspirou-se na história de um antigo repórter de O Globo, Pereira Rego, que foi atropelado por uma arrasta-sandália (espécie de ônibus antigo), no Largo da Carioca. Ao ver-se no chão, próximo da morte, Pereira Rego pedira um beijo a uma jovem que se debruçara para socorrê-lo. Solidão - Na peça, Nelson faz o atropelado pedir o beijo a um homem chamado Arandir, ato presenciado por um repórter da Última Hora. "É o início de um ritual, em que o teatro começa a tratar da morte", comenta Braz. "A peça divide-se em 13 cenas que simbolizam a paixão cristã de Arandir, perseguido no trabalho e sob a suspeita da mulher e do sogro." Quando a história começa a esfriar, o repórter da Última Hora transforma o caso em um crime e reúne indícios para provar que Arandir empurrara o sujeito para baixo do lotação. A cidade inteira acredita no homossexualismo de Arandir, até sua mulher. "E ele é o único que sabe a verdade: uma voz solitária e indefesa contra a humanidade", observa o diretor. Para manter o clima de ritual, Braz pretende limitar o acesso a 35 espectadores por apresentação quando a peça estrear comercialmente, em fevereiro. "Será como aquele círculo de pessoas que normalmente se forma ao redor de algum acidentado", explica o diretor que, no próximo ano, pretende continuar o ciclo de pesquisas com as montagens de A Falecida e Dorotéia. "Gostaria de ter um espaço próprio, onde promoveria leituras constantes dos textos do Nélson." As homenagens continuam com o lançamento, amanhã, do site www.nelsonrodrigues.com.br, que faz parte do projeto Nelson Rodrigues Século 21 e que será atualizado diariamente. Uma equipe de jornalistas e especialistas em teatro e literatura recolheu todo o material disponível sobre o autor em bibliotecas jornais e arquivos particulares. Também o site www.elfoco.com.br promete oferecer, a partir desta quinta-feira, a leitura de uma crônica do dramaturgo escrita em 1929 e ainda inédita em livro.

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