Vik Muniz faz prédio de NY virar "casa de chocolate"

Inspirado no conto João e Maria, o fotógrafo brasileiro está transformando a fachada da Brooklyn Academy of Music em um enorme bolo confeitado

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Por Agencia Estado
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O fotógrafo brasileiro Vik Muniz sempre achou que o histórico prédio do centro cultural Brooklyn Academy of Music (BAM) era o mais bonito do bairro onde mora, em Nova York. Quando se detinha nos detalhes da ornamentação, elogiava: "É lindo, parece um bolo." Acostumado a mexer com molho de tomate, pimenta, chocolate e açúcar para criar imagens que fotografa e com as quais ilude o olhar do espectador, ele misturou suas idéias com um conto infantil e acabou transformando o edifício neoclássico em CandyBAM, uma gigantesca e colorida gingerbread house, bolo tradicional para festas de fim de ano. A fotografia do confeito que Muniz criou -ampliada para cerca de 100 metros de comprimento por 20 de altura - vai cobrir toda a fachada do BAM a partir de 1.º de outubro e até meados do próximo ano, enquanto ela estiver sendo restaurada. A imagem estende-se para mais 15 metros de cada lado, cobrindo as extremidades laterais do edifício e escondendo totalmente os andaimes da construção. Os grandes vitrais, as inscrições e cada ornamento que a frente do prédio terá quando estiver pronta foram reproduzidos numa versão divertida e de dar água na boca, feita de glacê, balas, jujubas e pastilhas de M&M´s. Arte e humor - Muniz, que coleciona livros de folclore, diz que hoje em dia quase não lê mais nada a não ser contos para criança, novos e antigos. Inspirou-se em um deles, escrito pelos irmãos Grimm no século 19, para o maior projeto fotográfico que fez até agora. "Sempre gostei da história de Joãozinho e Maria, com a imagem maravilhosa da casa de doce que atrai as duas crianças perdidas na floresta. Para mim, o prédio da Brooklyn Academy of Music tem aquela mesma presença, funciona também como uma espécie de ímã para espectadores", compara o fotógrafo. CandyBAM foi comissionado pela Brooklyn Academy of Music por intermédio do Public Art Fund, organização nova-iorquina responsável por projetos de arte pública há 25 anos. Tom Eccles, diretor e curador do fundo, já havia pedido a Muniz que propusesse uma obra sua para a cidade de Nova York cerca de dois anos atrás. Na época, ele não pôde atender ao convite porque estava envolvido com outros trabalhos, como sua primeira retrospectiva no Brasil e a produção das obras com as quais representaria o País na 49.ª Bienal de Veneza. No começo deste ano, Eccles surpreendeu Muniz perguntando se ele gostaria de fazer uma foto que cobrisse o BAM, um dos marcos arquitetônicos mais famosos de Nova York. "O trabalho de Muniz tem um apelo visual imediato. Este foi o perfeito casamento entre as duas instituições e um dos mais talentosos artistas de Nova York", comemora Eccles. Financiado pela rede americana de lojas Target, CandyBAM é também o primeiro projeto de "embrulhar" um prédio da cidade numa peça de arte. A idéia de transformar a Brooklyn Academy of Music na casa de doces da história dos irmãos Grimm cativou a diretoria do centro. "Muniz é muito sagaz e sensível", comenta Joseph Melillo, o produtor do BAM. "É maravilhosa essa contribuição que ele está dando à cidade, que vem passando por um momento triste depois do ataque ao World Trade Center. Ele está revitalizando os nova-iorquinos pela arte e pelo humor." A instalação do painel fotográfico coincide com a abertura do 20.º Next Wave Festival, produzido anualmente pelo BAM, que prima por reunir o que há de mais moderno no cenário internacional de teatro, dança e música. Este ano, uma das atrações será a dança brasileira do Grupo Corpo. Confeiteiro - Mais antigo centro cultural ainda em funcionamento nos Estados Unidos, o BAM teve sua sede original, erguida em 1861, destruída pelo fogo em 1903 e substituída pela atual três anos depois. A construção é de um dos períodos de que Muniz mais gosta. "Os arquitetos daquela época eram muito generosos ao colocar elementos ornamentais em prédios de linhas simples", diz o fotógrafo. "A decoração cria uma narrativa linda para quem passa pela rua e olha para eles." A fachada, que está sendo retocada pela primeira vez em 94 anos, vai seguir fielmente o projeto original do arquiteto Henry Beaumont Herts (1871-1933). Responsável pela restauração, o arquiteto Hugh Hardy, que também fez a renovação do Radio City Music Hall e do New Amsterdam Theater, duas outras grandes casas de espetáculo de Nova York, vai recolocar todos os elementos da fachada que foram retirados ou destruídos ao longo dos anos. Serão repostos, por exemplo, uma balaustrada e pilares que sustentavam 22 cabeças de leões com línguas vermelhas. Muniz recebeu o projeto de Hardy com essas incorporações e, na sua versão, substituiu os leões por balas de goma em forma de ursinhos. A relação que já fazia entre o prédio e um bolo lhe deu a idéia de replicar a narrativa da fachada com elementos do que ele vê nas vitrines de confeitarias latinas do Brooklyn. "Acho que tenho um pouco dessa coisa de confeiteiro", diz Muniz. "Adoro aqueles bolos temáticos, bem rococós, cheios de decoração, e sempre acompanho programas de culinária na televisão, porque eles têm uma atmosfera interessante de criação." Além de desafiar a capacidade de discernimento visual do observador, com os materiais que usa Muniz acrescenta significados àquilo que fotografa. "Essa gingerbread house celebra o BAM como um lugar de fantasia e alegria", diz ele. "Também quero dar ao público o sentimento de antecipação do que será a fachada renovada do prédio, como se ele fosse uma criança diante de um pacote de balas." Com base numa maquete feita pelo artista, o bolo foi preparado na Soutine Bakery, uma confeitaria no Upper East Side de Manhattan. A fim de manter uma escala para reconhecimento dos detalhes na imagem final - onde cada jujuba tem o tamanho de um prato -, o bolo media 2 metros no comprimento e 40 centímetros na largura. Muniz o fotografou por partes e fez também uma foto dele inteiro que serviu de referência para a ampliação. A imagem foi reproduzida em alta resolução sobre tela de poliéster. Estímulo - Muniz começou a carreira artística como escultor e suas fotos sempre têm uma tensão entre plano e tridimensional. Em CandyBAM, um dos detalhes que mais o agrada é a impressão de volume, proporcionada pela dobra do painel contornando os cantos do prédio e a superposição de semicírculos do ornamento à imagem de fundo. O resultado é a ilusão de tridimensionalidade. Esta é a segunda experiência do fotógrafo com arte pública. Há dois anos ele deixou milhares de pessoas intrigadas com nuvens desenhadas sobre Nova York por um avião de fumigação. Apesar do espaço onde foram vistas, as nuvens estavam lá apenas para que Muniz as fotografasse. Todas as obras dele, expostas em museus e galeriais internacionais, são fotografias de seus desenhos, esculturas ou pinturas - feitos com materiais tão inusitados como poeira, arames, algodão ou ingredientes de culinária - e imaginadas para criar ilusões de ótica. Compor obras para exibição em ambiente público traz um novo estímulo para o fotógrafo. "O trabalho fica aberto a um universo inteiro de outras interpretações e, quando se tem acesso a elas de uma forma ou de outra, isso é muito mais enriquecedor", avalia Muniz.

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