PUBLICIDADE

Vídeo domina 49ª Bienal de Veneza

Entre boas e más surpresas, a linguagem do vídeo ganha destaque em todos os pavilhões da mostra, surpreendendo até mesmo curadores especializados

Por Agencia Estado
Atualização:

O vídeo é, seguramente, a linguagem dominante da 49.ª edição da Bienal de Veneza, inaugurada no sábado. Por todos os cantos da mostra, quer nos pavilhões dos Giardini del Castello, quer nas áreas ocupadas pela mostra geral Plataforma da Humanidade, ou ainda nas várias exposições nacionais espalhadas pela cidade, essa linguagem está presente, mesmo que dividindo o espaço com outras formas de expressão como a pintura, a escultura ou a instalaçãoe surpreendendo até mesmo curadores especializados. Como quantidade não é sinônimo de qualidade, pode-se dizer que essa linguagem traz surpresas boas e más e as representações oscilam entre investigações pertinentes, poéticas sutis ou contundentes, a meras repetições de fórmulas e truquezinhos. O convite feito pelo curador da exposição, Harald Szeemann, a um grupo de cineastas para que experimentassem criar uma obra visual que ultrapassasse as fronteiras tradicionais do universo de sua arte, intensificando o crescente diálogo entre o cinema e as artes visuais - o que já poderia ser visto como um indício dessa consagração da videoarte - teve um resultado bastante positivo, produzindo um dos melhores trabalhos da exposição: Close, assinado pelo egípcio Atom Egoyan, em parceria com o português Julião Sarmento. A instalação subverte o espaço tradicional do cinema, anulando a distância entre o espectador e o público, já que o filme (de 11 minutos) é projetado num estreito corredor, levando a uma incômoda proximidade com a cena e ao mesmo tempo à perda temporária da capacidade de identificar o que está sendo projetado. A imagem é sensual, provocativa. Pedaços de corpos se encontram, há no meio deles um objeto metálico, que dá um tom ácido à imagem de cores tênues e pouco definidas. Ao fundo, uma voz lê um texto sobre desejo e voyeurismo. Aos poucos, vê-se que não há nada de pornográfico na obra, que consegue tirar uma enorme intensidade erótica de um ato relativamente simples, mesmo que bastante inverossímil e algo repulsivo: alguém corta as unhas e as coloca na boca do (a) amante, siderado pelos pés e por tudo que provém do ente amado. Também participaram do projeto outros cineastas, como Chantal Ackerman e Abbas Kiarostami. Curiosamente, o diretor iraniano sentiu necessidade, como Egoyan, de subverter o espaço tradicional do cinema, deslocando a projeção de sua obra da parede para o chão, e também optou por explorar - e ultrapassar - os limites da privacidade, ao registrar de maneira bastante plástica e plácida a noite de sono de um casal. Pintura - Questões como tempo, ritmo e movimento são essenciais à videoarte. Curiosamente, nesta edição da Bienal, esses aspectos tem sido explorados de forma quase que negativa, ou seja, são de tal forma anulados que o resultado é uma imagem quase congelada, que se assemelha muito ao campo da pintura. Poderia se falar também em fotografia - também presente este ano com uma vasta e desigual seleção, que traz obras geniais como o ensaio feito no Haiti por Cristina García Rodero (um dos grandes destaques da Bienal). Dezenas de instalações presentes na mostra usam o vídeo para registrar com uma sutileza imressionante um determinado quadro ou cena, aparentemente banal. É o caso, por exemplo, dos dois trabalhos de Bill Viola, que transforma a tradicional linguagem do retrato numa espécie de "natureza-viva", captando com grande sutileza a tensão impressionante que domina cada personagem de seu quadro. Algo semelhante foi feito pelo francês Pierre Huygue em um de seus trabalhos. A imagem é fixa, mostrando alguns prédios numa noite nebulosa. O ritmo é dado pelas luzes dos apartamentos que se acendem e se apagam e pela música. Essa obra contrasta com a outra videoinstalação do artista, que mais parece derivada do mundo do videogame (estratégia alías, explorada em demasia por dezenas de artistas) e que torna um pouco questionável a decisão do júri. Aliás, a distribuição de prêmios este ano foi bastante polêmica e em alguns casos incompreensível. O prêmio dado ao inglês John Pilson por Mr. Pick Up, que mostra um executivo recolhendo pastas e mais pastas que não param de escapar de sua mão, como uma espécie de Mr. Bean piorado, não faz sentido. Premiações como essa se tornam ainda mais questionáveis quando se pensa que trabalhos excelentes, como as tocantes esculturas hiper-realistas de Ron Mueck, que recebem o visitante logo à entrada do pavilhão do arsenal, e são um sucesso de crítica e público, saíram de mãos abanando. Um exemplo no contra-senso dessa exploração plástica e quase estática da imagem está no Pavilhão da Lituânia (que ocupa um espaço próximo à Praça de San Marco). Em Legend Coming True, Deimantas Narkevicius retira todo o poder da imagem e exibe um filme sem figuras, só com a descrição oral (legendada em inglês) das lembranças de uma mulher que viveu num gueto judeu em Vilnius durante a 2.ª Guerra Mundial. Todo foco é centrado então na narrativa. Se nos últimos tempos a representação e a figuração parecem novamente encantar os artistas, eles ainda parecem lidar de maneira tímida com a questão da narrativa, que domina tanto esse provocante trabalho que se tem a tentação de clássificá-lo mais como uma experiência no campo do cinema documental do que no cada vez mais amplo cenário da arte contemporânea.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.