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Vida de Keith Richards

Por Matthew Shirts
Atualização:

"Todo mundo ama música. Mas o que você quer mesmo", diz Tom Waits, "é que a música ame você. E era assim que me parecia com Keith. É preciso ter um certo respeito pelo processo. Você não a escreve, é ela que escreve você. Você é sua flauta ou trompete; é suas cordas. Isto é óbvio no caso de Keith."Os dois músicos, lendas da minha geração, trabalharam juntos no disco de Waits chamado Rain Dogs. No livro Life, autobiografia de Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones, escrita com a ajuda de James Fox e lançada há pouco, quem conta a história de colaboração e amizade dos dois é Waits. Esse é apenas um pequeno trecho do seu depoimento. É lindo o que Waits escreve sobre Keith.Comprei Life há duas semanas na livraria Barnes & Noble da pequena cidade praieira de Del Mar, na Califórnia, onde fui criado nas décadas de 60 e 70, justamente quando os Rolling Stones estouraram nos Estados Unidos. Ouvi o disco Aftermath na minha infância, Let it Bleed, Beggar"s Banquet e Sticky Fingers na adolescência. Todos em Del Mar. Ao tirar carta de motorista, em 1975, uma das minhas primeiras iniciativas foi uma pequena viagem até Los Angeles com o carro do meu pai, uma perua Volvo, se a memória não me falha, para assistir ao show Exile on Main Street, dos melhores dos Rolling Stones. Bons tempos aqueles. E fortes. Cada novo disco dos Stones era um evento religioso. Ouvíamos eu e meus amigos sem parar durante dias, quiçá semanas, tal como os discos dos Beatles, do Bob Dylan, do Cream.Naquele tempo o rock-n"-roll era assombroso. Cada hit novo provava que tudo era possível. Não existiam limites. Era arte aquilo, pelo menos nos seus melhores momentos, e era para as massas. Foi aí, creio, que todo mundo começou a querer ser artista. Eu, inclusive.Não sei bem o que eu esperava de uma autobiografia de Keith Richards. Faz algum tempo já que não coloco um CD dos Stones na vitrola. Estava de passagem pelos Estados Unidos quando a comprei. Parei na Califórnia para ver meus pais na volta de uma viagem de trabalho ao Japão. Entrei na livraria à procura do último de David Sedaris e ali estavam, logo na entrada, 50 exemplares de Life. É um livro grande, 550 páginas, de capa dura e papel macio. Não iria conseguir sair de lá sem o livro. Soube disso no instante que o vi. Meu velho pai, que estava comigo na livraria, desenvolveu argumentos contrários à compra, é claro. Ele é adepto de novas tecnologias. Ama o Kindle, o leitor digital da Amazon. Tentou me convencer a adquirir a versão digital da obra. "Deve pesar dois quilos isso aí, meu filho", dizia. "E você vai levá-lo ao Brasil! Em 2010! Não tem sentido."Em termos tecnológicos, meu pai está mais adiantado do que eu. Sem dizer que não morre de amores pelo rock-n"-roll, principalmente na sua versão mais abusada, drogada e louca, ou seja, a versão do Keith Richards.Terminei o livro há poucas horas. Comecei no aeroporto de Dallas, na viagem de volta para São Paulo. Ontem meu filho caçula Samuel reclamou: "Você não larga esse livro." Já estou no fim, garanti-lhe.Life é repleto de fofocas que não me interessam tanto. A relação com Mick Jagger perpassa o livro todo. Keith responde ao boato de que teria trocado diversas vezes de sangue na Suíça. Passa anos dolorosos, para mim, viciado em heroína, escapando por pouco da cadeia, graças, e sobretudo, à fama e aos advogados caros. São engraçadas as histórias, mas algumas delas parecidas entre si.Mas Keith acaba jogando luz própria sobre a era do rock-n"-roll. É esta, acredito, a prova dos noves. O livro é bonito e comovente. O filho Marlon colabora com diversos textos. Ele acompanhou o pai, na sua fase mais drogada, em turnê, sozinho, aos 7 anos de idade. Sua perspectiva é reveladora e carinhosa, tal como a visão do Keith.Life trata de música e amizade, sobretudo. Keith teve abundância das duas. O que mais se pode pedir da vida?

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