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'Viagem a Izu', de François Kahn, é destaque da Filo

Espetáculo, que está no Festival Internacional de Londrina, foi concebido para ser feito num jardim ao pôr do sol

Por Daniel Schenker
Atualização:

Viagem a Izu

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não é simplesmente o novo projeto do autor, ator e diretor francês François Kahn. É, na verdade, a concretização de um sonho antigo, tendo em vista que seu primeiro contato com a novela 

Dançarina de Izu

, escrita em 1926 pelo japonês Kawabata Yasunari, Prêmio Nobel de Literatura de 1968, foi na adolescência, aos 18 anos. Kahn, porém, só percebeu a possibilidade de transportar o texto – centrado num estudante que se encontra com um grupo de artistas viajantes, apaixona-se por uma dançarina, mas muda seu modo de se relacionar ao descobrir que ela tem apenas 13 anos – para teatro quando se deparou com uma tradução em italiano.

O trabalho, atração da 45.ª edição do Festival Internacional de Londrina (Filo) nesta sexta (13) e sábado (14), obedece a algumas especificidades. “Trata-se de um espetáculo concebido para ser feito num jardim, próximo ao momento do pôr do sol. O desafio é lidar com o meio externo, as interferências climáticas. Não há luz artificial. O final deve coincidir com o cair da noite”, afirma Kahn. Não por acaso, Viagem a Izu será mostrado no Rio de Janeiro no horário das 17h15. Haverá quatro sessões, entre os dias 27 e 30 de setembro, no jardim do Museu da Chácara do Céu, em Santa Teresa. Antes disso, Kahn desembarcará em Uberlândia nos dias 21 e 22.

Viagem a Izu reúne plataformas do Teatro de Câmera, que François Kahn fundou com Humberto Brevilheri em 1992, no que diz respeito ao investimento em textos literários, à busca por espaços não convencionais e à tendência ao formato do monólogo. “Gosto mais do material literário do que do teatral, apesar do meu apreço por (Anton) Chekhov e (Samuel) Beckett”, assume Kahn, que, entre outros autores, encenou Marcel Proust (A Morte de Bergotte, trecho inserido em Em Busca do Tempo Perdido), Franz Kafka (O Relatório, baseado em Um Relatório para a Academia), João Guimarães Rosa (os contos A Terceira Margem do Rio e A Menina de Lá, unidos no espetáculo O Sertão dentro da Gente, gestado com Brevilheri) e o já citado Beckett (Primeiro Amor).

A fuga dos espaços habituais pode ser considerada como um desejo de recusa do teatro institucionalizado. E a valorização do monólogo deve-se à determinação em verticalizar pesquisas artísticas. “Foi a maneira que achei para sobreviver na profissão e evoluir nas vertentes que me interessam. Na Itália, um espetáculo com muitos atores morre se você não contar com boa estrutura”, afirma Kahn, mencionando o país em que morou durante 25 anos e que trocou pela França (reside atualmente em Nantes).

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Em visita ao Filo, onde esteve pela primeira vez em 1988, François Kahn também ministrou oficina, intitulada O Caminho do Jardim das Cerejeiras, em referência à célebre peça de Chekhov. Kahn ajuda os atores a se apropriarem dos textos – no caso, agora, a partir da correspondência entre Chekhov e a mulher, a atriz Olga Knipper. “Detenho-me aos princípios da memorização de um texto. Se você não fornece elementos suficientemente potentes, qual a motivação para memorizar?”, questiona Kahn, que acumulou experiência no desenvolvimento dessa proposta numa escola de teatro em Udine, na Itália.

François Kahn “formou-se” artisticamente no convívio com os encenadores Jerzy Grotowski – que, de dada fase em diante, transcendeu a função de diretor ao se afastar do teatro – e Roberto Bacci. Aproximou-se de Grotowski na primeira metade da década de 70, quando este apresentou Apocalypsis cum Figuris. Kahn havia ficado bastante impressionado com a leitura de Em Busca de um Teatro Pobre, livro no qual Grotowski defende um teatro essencial, pautado pela interação entre um ator disposto a realizar um ato de autorreflexão e um espectador. “Permaneci quatro anos no Teatr Laboratorium, em Wroclaw”, lembra Kahn, que se estabeleceu na Polônia entre 1977 e 1980.

No início da década de 80, Kahn firmou parceria com Roberto Bacci, discípulo de Grotowski, no Centro per la Sperimentazione e la Ricerca Teatrale di Pontedera, na Itália. Marcou presença no processo criativo de encenações como Laggiù Soffia, inspirada em Moby Dick, de Herman Melville. “Nós visávamos a uma plateia de número reduzido. O fato de ficar bem perto do espectador obrigava o ator a eliminar certa ênfase na voz e no corpo, a priorizar um registro mais delicado e a reportar-se mais a um indivíduo que ao público. As montagens costumavam ser itinerantes, distanciando-se da lógica do puro consumo”, explica.

Kahn trabalhou ainda com o ator brasileiro Cacá Carvalho, que chegou até Bacci por intermédio da diretora Celina Sodré no final dos anos 80, quando estava em cartaz no Brasil com a encenação de Meu Tio, o Iauaretê, de Guimarães Rosa.

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