Vestígios dos grandes escritores

Sérgio Augusto recupera, em E Foram Todos Para Paris, locais inesquecíveis

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Por Ubiratan Brasil
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Os amigos cobravam regularmente uma edição em livro, mas o que sobrava de resistência sucumbiu quando Woody Allen filmou Meia-Noite em Paris, aquele longa sobre o escritor americano que, num toque de mágica, volta no tempo e conhece pessoalmente os grande artistas que tornaram ainda mais brilhante a Cidade-Luz. "Foi aí que me convenci totalmente", conta Sérgio Augusto, colunista do Estado que lança, nesta semana, E Foram Todos Para Paris (Casa da Palavra), delicioso relato sobre os pontos turísticos da capital francesa que interessam especialmente aos fãs de literatura - trata-se da reconstituição das pegadas de artistas como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, James Joyce, Pablo Picasso e outros notáveis personagens da cena cultural mundial que circulavam pela cidade nas décadas de 1920 e 30.Mais conhecida como a Paris da Geração Perdida, a cidade vivia na época uma efervescência cultural alimentada pelo cubismo, dadaísmo e surrealismo, o que favorecia o surgimento de um cenário para um novo estilo de vida, livre e descompromissado, berço de movimentos artísticos de vanguarda e inspiração para marcantes obras da literatura e das artes plásticas do século 20.Foi atrás justamente desses pontos que Sérgio Augusto decidiu, em 1989, depois de visitas a lugares que lembravam Kafka (Praga) e Claudio Magris (Budapeste-Viena, subindo o Rio Danúbio), percorrer Paris para visitar e fotografar os mais notórios espaços habitados por aqueles artistas. O material transformou-se no concorrido caderno de turismo de um grande jornal. E, em pouco tempo, virou um justificado objeto de cobiça - afinal, o jornalista levantou endereços, montou mapas e itinerários e pôs o pé na rua, fotografando com uma Canon analógica o que chamou de "santuários".A edição em livro (que já vendeu 3 mil exemplares e contará, na nova fornada, com uma informação atualizada: a morte de George Whitman, dono da livraria Shakespeare & Company) mantém a mesma estrutura, com uma edição gráfica mais esmerada. Faltava, porém, uma atualização, e, como não teria tempo de retornar a Paris para checar todos os dados, Augusto valeu-se da tecnologia: "Acessei o satélite do Google e revisitei cada um dos endereços pelo computador", conta o jornalista. A pesquisa permitiu que fizesse más descobertas, como a invasão de lojas de grife em locais antes culturalmente históricos.Dois nomes se destacam na constelação de artistas lembrados por Augusto: os americanos Gertrude Stein (1874-1946) e Ernest Hemingway ((1899- 1961). Considerada a matriarca do modernismo e ícone do feminismo, Gertrude atuava, como bem observa o jornalista brasileiro, como uma abelha-mestra na Rive Gauche, agregando escritores, poetas, músicos, artistas plásticos, conectando-os em seu salão literário. "Paris foi seu lar estético e espiritual", escreve Augusto. "O único lugar do mundo em que uma vida integralmente civilizada lhe parecia possível."Já o autor de O Sol Também se Levanta, chamado de "romance de geração", Hemingway é conhecido por uma série de lugares em Paris onde ele e seus personagens circularam e encheram a cara. Em oito anos vivendo na capital francesa, o escritor americano teve uma dezena de endereços, entre moradias e refúgios provisórios para a prática da escrita. Augusto destaca os mais importantes: o 74 da Cardinal Lemoine, o 113 da Notre-Dame-des-Champs, e o 6 da Férou (para onde se mudou com a segunda mulher, Pauline Pfeiffer, em 1927).Segundo ele, nenhuma outra obra de ficção fez tanto pela boêmia de Paris como O Sol Também se Levanta. O personagem principal, Jake Barnes, é um alter ego caprichado do próprio autor. "E os personagens que giram em torno dele foram inspirados em figuras da fauna intelectual e mundana de Montparnasse e adjacências."Sérgio Augusto - cujo carinho pela Cidade-Luz começou quando assistiu pela primeira vez ao musical Sinfonia em Paris (1951), de Vincente Minnelli - propõe, no livro, um tour de três dias, começando pela Rive Gauche. Segundo ele, a maior concentração de pontos históricos fica entre o boulevard Saint-Michel e Montparnasse. Na caminhada, é possível passar por pontos incríveis, como o Hotel d'Anglaterre, onde Hemingway se hospedou no quarto 14, hoje disputadíssimo; ou ainda o n.º 13 da Rue des Beaux Arts, onde morreu o escritor irlandês Oscar Wilde em 1900, e que também, já transformado em hotel, hospedou o argentino Jorge Luis Borges. Graças a Sérgio Augusto, Paris continua uma festa.

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