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Vermelho e branco

O Zuenir Ventura pode contar melhor do que eu o que passamos naquela noite, inclusive o embate dele com jacarés enquanto eu tentava convencer uma anaconda gigante a não engolir o barco

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Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

Estive em Siena na época do pálio, aquela corrida maluca na piazza central da cidade entre cavalos das várias “contradas”, cada uma com suas cores tradicionais. Não demorei muito para saber que a “contrada” do meu coração, desde os tempos medievais, era a da Girafa, vermelha e branca, e também não demorei muito para amar o cavalo e depositar no seu jóquei todas as esperanças de ser feliz naquele ensolarado agosto. Mas nosso cavalo perdeu. Acho que o jóquei caiu na primeira volta. 

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Não sei se essa necessidade de “ser” alguma coisa mais do que nós mesmos – “ser” Salgueiro, por exemplo, mesmo sem nunca ter frequentado suas alas ou sequer estado no morro, ou “ser” Flamengo fanático no Piauí – é um resto de irracionalidade infantil ou uma das melhores virtudes humanas. Nosso “time” em todas as suas manifestações (é claro que escolhi a “contrada” da girafa em Siena porque suas cores eram as mesmas do Internacional de Porto Alegre) não é nem um consolo garantido, um jeito de apagar mágoas individuais dentro de um sentimento coletivo e um entusiasmo maior. Muitas vezes é uma paixão sofrida, consolo nada.

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Um dia levei as criança a um circo onde havia um jogo de futebol entre cachorros. A derrota dos cachorros de camiseta vermelha estragou o espetáculo e o dia para mim. E eu já tinha quase 50 anos. Mas para não dizer que o vermelho vai mal em todo o mundo, assistimos à vitória dos vermelhos sobre os azuis na Festa de Parintins – aquela mistura de carnaval, ópera e delírio que acontece todos os anos na Amazônia. Há esperança.

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Chegamos a Parintins depois de uma aventura na selva. O hotel em que ficamos, no Rio Negro, providenciava barcos para passeios dos hóspedes, inclusive passeios noturnos, para ver os olhos vermelhos dos jacarés brilhando na escuridão. Faltou gasolina ou coisa parecida para o motor do barco e ficamos à deriva no Rio Negro até que chegasse socorro. O Zuenir Ventura pode contar melhor do que eu o que passamos naquela noite, inclusive o embate dele com jacarés enquanto eu tentava convencer uma anaconda gigante a não engolir o barco em que estavam o Zuenir e a Mary Ventura, eu e a Lucia e o embaixador Rubens Barbosa e sua mulher, o que além de desfalcar seriamente o jornalismo brasileiro provocaria um sério incidente diplomático.

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Mas tudo acabou bem e podemos seguir para Parintins e uma rara vitória do vermelho.

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