Ver e ouvir Oliveira

Visitar a mostra é ter contato com o modo como se deu a evolução do diretor e sua obra

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Por Flavia Guerra
Atualização:

Ao percorrer as salas do Instituto Tomie Ohtake, que abriga de hoje a 10 de novembro a exposição Manoel de Oliveira: Uma História do Cinema, a sensação que se tem é a de quem passeia pelo imaginário de um mestre do cinema. Em vez de cair no recurso um tanto óbvio da exibição de objetos de cena de vários de seus mais de 50 filmes, a curadoria optou por desenhar um percurso em que se veem projetadas nas paredes e em cabines de madeira cenas cruciais de filmes que marcaram época, tais como o primeiro de sua carreira (o curta Douro, Faina Fluvial, 1931), seu primeiro longa de ficção (o antológico Aniki-Bobó, 1942) e até seu mais recente trabalho (O Conquistador Conquistado, 2012). Este último, a propósito, integra a programação da 37ª Mostra de Cinema de São Paulo, que começa no próximo dia 18. O filme, na verdade, é um dos episódios do longa Centro Histórico, produzido com o objetivo de prestar homenagem à cidade de Guimarães, onde nasceu o Reino de Portugal, no norte do país. O longa faz uma compilação de curtas realizados por nomes como Aki Kaurismaki, Pedro Costa, Viktor Erice e Oliveira. Em O Conquistador, ele lança um olhar bem humorado e crítico sobre o turismo nos tempos modernos. "Ele tem um grande senso de humor. E isso é algo que não se ganha rápido. Seus primeiros filmes não têm esta leveza que ele tem hoje", comenta Renata de Almeida, diretora da Mostra de São Paulo. "Este curta diz muito sobre a trajetória dele. Manoel tem uma sabedoria que veio com o tempo e é, ao mesmo tempo, um dos mais ousados do mundo", completa ela que, ao lado de Leon Cakoff, estabeleceu uma parceria prolífica com Oliveira. "Fizemos o livro Manoel de Oliveira, lançado pela Cosac Naify, uma retrospectiva dedicada a ele, o curta Do Visível ao Invisível (episódio do longa Mundo Invisível), em que Leon (Cakoff) e Ricardo Trêpa (neto do diretor) tentam conversar mas não conseguem porque toda hora o celular de algum deles toca", conta Renata. "Tenho certeza que se ele tivesse em condições de viajar estaria aqui." A curadora Paula Fernandes concorda. "Ele continua ativo e buscando financiamento para o próximo filme. Mas por conta da idade não pôde vir. Enviou sua filha (Adelaide Maria Oliveira) para representá-lo", diz ela.Paula ressalta que quem visita a exposição deve ficar atento aos elementos que forjaram o cineasta aclamado que hoje é Oliveira, premiado em todo mundo e figura imprescindível em festivais como Cannes e Veneza. "Ao assistir aos trechos, repare bem a forma como ele criou sua própria linguagem, muito única. Como uniu documentário à ficção, como respeitou sempre o teatro como a grande arte, como ao longo de sua carreira foi aprendendo a dar mais valor à dramaturgia e foi deixando a montagem mais de lado", observa. Outro ponto importante é a forma como Oliveira nega e ao mesmo tempo afirma o cinema. "Ele diz que o cinema não existe. Mas isso não significa desprezo por esta arte. Pelo contrário. O que ele quer dizer é que é o ator em cena e suas ações que importam. O que ele faz é passar muito bem as marcações para seu elenco e, então, deixá-lo trabalhar."A independência entre as artes que compõem o cinema também ganha destaque. O cineasta, além do mise-en-scène, sempre deu grande importância à palavra. "Sempre filmou a palavra, seja em discursos dos personagens, em letreiros ou em narrações em off", explica. Além disso, ao se assistir trechos de obras seminais como Aniki-Bobó e O Passado e o Presente (1971), percebe-se o estilo do diretor e se entende melhor a independência com que ele trata os elementos de um filme. "Para ele, som, música, imagem e texto sempre tiveram sua autonomia e, unidos, transformavam-se em uma nova obra." MANOEL DE OLIVEIRA: UMA HISTÓRIA DO CINEMAInstituto Tomie Ohtake.Av. Brigadeiro Faria Lima, 201 (entrada pela R. Coropés, 88) - 2245-19003ª a dom. 11h / 20h. Grátis. Até 10/11.Abertura nesta quarta-feira, 20h, para convidados.

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