Vende porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende?

Ao menosprezar Sidney Sheldon, cadernos culturais talvez estejam só atendendo seu reduzido público, que se orgulha de apreciar apenas coisas ?com conteúdo?

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Por Agencia Estado
Atualização:

Logo após a divulgação da notícia da morte do escritor Sidney Sheldon, na madrugada desta quarta-feira, iniciou-se no plantão notívago de uma redação de jornal um procedimento padrão para casos desse tipo. Mal os despachos das agências internacionais de notícias começavam a abastecer as telas com as mais variadas informações - os estupendos números das vendas dos livros do autor, o recorde de línguas para as quais foi traduzido, o início tardio nos romances depois de uma vitoriosa carreira de roteirista de cinema, teatro e televisão, os prêmios conquistados por suas criações (entre elas o seriado Jeannie é um Gênio), a experiência como piloto da Força Aérea na 2ª Guerra Mundial - montava-se se uma mobilização de consulta aos arquivos internos para encontrar algum material que ajudasse a explicar melhor aos leitores, e aos próprios jornalistas, a razão pela qual esse homem conseguiu vender mais de 300 milhões de cópias de seus livros. Tarefa aparentemente simples, e ainda facilitada com a informatização dos arquivos: encontrar alguns antigos textos, análises ou perfis desses que costumam sair na época dos lançamentos de best-sellers e que pudessem dar uma luz para o entendimento desse fenômeno das prateleiras e dos transportes públicos mundo afora. Não demorou muito e a tarefa se mostrou bem mais complicada, apesar das várias citações ao nome do autor encontradas em matérias das mais variadas. ?A grafia está correta? Sidney é mesmo com ?i? e ?y?? ?o programa de buscas do arquivo está com algum problema?? Aos poucos descobre-se que, apesar de até já ter sido usado na tentativa de alavancar vendas do próprio jornal, com a distribuição de seus títulos junto com o diário há alguns anos, Sidney Sheldon é quase um desconhecido nas páginas desse periódico. Fora uma menção mais aprofundada num texto sobre a eleição do escritor Paulo Coelho para a Academia Brasileira de Letras, no qual podia se ter uma breve apanhado das questões sobre a literatura de massa e a literatura prestigiada como tal e o eterno embate sobre o sucesso popular e o fracasso de crítica, pouco ou quase nada se escreveu sobre Sheldon por aqui. Mesmo como produto, palavra maldita no meio cultural, mas sempre bem acolhida como pauta jornalística, Sheldon foi desprezado. O recente lançamento de suas memórias - lembranças de alguém que despertou o interesse que poucos conseguiram - sequer foi noticiado. Apenas citado no meio de um texto sobre compras natalinas. Se os leitores dos cadernos automotivos são informados igualmente sobre os lançamentos e características dos modelos populares e dos mais sofisticados, qual seria a razão, que não o preconceito, que impede que um lançamento de um dos autores mais populares do mundo - inclusive no Brasil - seja ignorado sistematicamente pelos cadernos culturais de um dos mais importantes órgãos de imprensa? Nem mesmo para atestar a falta de criatividade e a repetição de fórmulas fáceis e consagradas gastou-se linhas com Sheldon. Ao menosprezar o fenômeno das letras, os cadernos culturais do grandes jornais talvez estejam apenas atendendo ao desejo de seu (ao contrário de Sheldon) reduzido público, que costuma se orgulhar de apreciar apenas coisas ?com conteúdo?. É como se dissessem que, em matéria de arte e cultura, consumissem caviar todos os dias. Não se come caviar todos os dias. Amendoinzinhos, paçoquinhas, jujubas e cachorro-quentes, além de deliciosos e divertidos podem perfeitamente conviver com uma dieta saudável e requintada. Como na dieta nutricional, basta balancear, não exagerando ou deixando de lado nem um nem outro. Aprecie Sidney Sheldon. Com moderação.

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