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Vamos seguir o horário oficial de Brasília

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Por Redação
Atualização:

Sérgio de Santa Adélia (este é o nome real, mas muita gente pensa que é por ele ter nascido em Santa Adélia, interior paulista) estava almoçando, quando o sujeito da mesa ao lado comentou com a mulher:? Acho curiosa esta história de hora oficial de Brasília.? Por quê? É a hora brasileira!? Deveria ser, e se fosse, seria uma maravilha.? Pois lá vem você com suas manias, considerações, protestos, ou sei lá o quê?? Desta vez nem é mania, nem protesto, nem implicância, é apegar-me à realidade.? E o que tem isso a ver com o horário oficial de Brasília?? Muito. Nossa vida seria outra.? Como outra?? Teríamos tempo para tudo. Por exemplo, nossa semana começaria na terça-feira, que é quando os políticos chegam de volta. Depois, terminaria no meio da sexta-feira, ou mesmo na quinta, que é quando os políticos partem da capital para seus redutos eleitorais, como dizem os jornais.? Ah, não me venha...? Poderíamos estar no trabalho, sem estar no trabalho. Chegaríamos ao escritório, mas ficaríamos no café, nas salas de reuniões, de comissões, de bate-papos. De vez em quando iríamos até a sala de reunião ver se a turma estava debatendo alguma coisa, se tinha algum assunto importante, responderíamos à chamada, e voltaríamos ao aconchego.? Onde é que você quer chegar?? A uma unidade de horário e de trabalho para todo o Brasil. Por exemplo, em junho, entraríamos em férias coletivas, com remuneração total para podermos assistir aos jogos da Copa do Mundo com os nossos familiares e amigos. Isso se chama unir a família, comungar o patriotismo, torcer pela seleção. Atenderíamos ao pedido do Dunga: tudo pela Pátria, ação, força, combate, dar o sangue. Estaríamos frente aos nossos telões dando nosso sangue, suando, torcendo, vibrando e comunicando nossas vibrações ao sagrado time que na África luta por nós.? Acho que teu problema é fome. Você nunca ligou para futebol, muito menos seleção.? Mas agora é a Pátria em jogo.? Que pátria, toma aí teu suco de tomate temperado. Vai ver puseram muita pimenta, você se exaltou.Porém, na mesa ao lado, Sérgio tinha se empolgado com a ideia do vizinho de restaurante ("Este é dos meus", pensou) e na segunda-feira comunicou no escritório a sua campanha pró-horário oficial Brasília para todos. Teve a adesão de alguns, redigiram um manifesto, colocaram na internet, estão em busca de assinaturas. Pedem: você que assinou pela votação do Ficha Limpa, assine também esta. Igualdade, fraternidade. A lista está correndo por aí. Não pensem que é vírus, não. É um movimento honesto, correto, justo. Paridade de horário com Brasília e de trabalho. Assinem. Os companheiros conhecem bem as causas que Sérgio de Santa Adélia defende. Uma delas foi a da segunda-feira.Propôs acabar com elas, queria que a semana começasse na terça. Porque, dizia, a segunda é um dia terrível, acaba com nossos nervos, traz inquietação, aquela inquietação que começa quando vemos a Patrícia Poeta e o Zeca Camargo anunciando o Fantástico. Naquele momento começa o comichão. O domingo está acabando, ai meu Deus, amanhã é o dia! Cada vez que Sérgio vê as chamadas do Fantástico, durante a semana, com a dupla de apresentadores atuando, ele se assusta, paralisa, pensa que a segunda-feira vai começar, e sente-se mal. É uma paranoia, já foi estudada pelos psiquiatrias, chama-se a Síndrome da Segunda-feira. Aliás, já estudei o assunto em um livro de contos chamado O Homem Que Odiava a Segunda-Feira.Porém, repito propositalmente, nosso amigo é o das causas permanentes. Ele está pedindo audiências com os estudiosos da língua portuguesa. Já escreveu para a araraquarense Maria Helena Moura Neves e para Evanildo Bechara e outras sumidades porque quer muito saber onde começou uma nova forma de agradecimento. Alguém te faz um favor, ou tem um gesto gentil, presta uma informação e você agradece:? Obrigado.A pessoa responde na hora:? Imagine.Imaginar o quê? Por quê? Em função do quê? Ele perdeu o sono muitas noites, fazendo mil hipóteses e não consegue chegar a nenhuma. Onde teria nascido isso? Como? Talvez exista algum costume ancestral, remoto que possa dar um sentido a essa resposta. Ou será de propósito? Algo como uma pegadinha? É para a pessoa ficar imaginando, supondo, querendo desvendar o mistério? O que há para imaginar? É uma tentativa de obrigar o outro a pensar, a raciocinar, a pôr a cabeça e as ideias em ação, algo para sacudir a inércia?Porém, repito pela terceira vez, Sérgio não se esquece de outra causa. Está fazendo um dicionário de perguntas inúteis. A primeira delas é dirigida ao garçom, quando, no restaurante, você está em dúvida diante do cardápio:? E tal prato está bom?Outra é na quitanda, ou na feira, quando, apontando uma fruta na banca, seja melancia, abacaxi, manga, você indaga:? É doce?

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