Vale Cultura suscita perguntas sobre a sua aplicação

Defendido como prioridade pela ministra Marta Suplicy, projeto foi aprovado na Câmara

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Por MARIA EUGÊNIA DE MENEZES - O Estado de S.Paulo
Atualização:

Defendido pela ministra Marta Suplicy como prioridade de sua gestão, o projeto do Vale Cultura foi aprovado na quarta-feira, 21, no plenário da Câmara dos Deputados. De lá, a matéria segue agora para o Senado e aprovação da presidente Dilma Rousseff. Lançado com alarde em 2009, ainda durante a gestão do ex-ministro Juca Ferreira, o Vale Cultura concede um benefício de R$ 50 por mês a trabalhadores com renda mensal de até cinco salários mínimos (R$ 3.110). O dinheiro poderá ser gasto na aquisição de bens culturais, tais como livros, filmes e espetáculos de dança, teatro e música. Ouvidos pelo Estado, produtores culturais e personalidades da área artística foram unânimes em saudar a iniciativa. Foi defendida como meio de democratizar o acesso. E celebrada, por outros, como forma de impulsionar o mercado cultural no País. "Constitui um avanço importante ao colocar na mão do público o poder de escolher o que consumir", opinou Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. Não faltam, porém, dúvidas sobre como o mecanismo vai funcionar. "Ainda não está clara a regulamentação das coisas, como vai ser realmente", observou Ivo Mesquita, diretor técnico da Pinacoteca do Estado. Outro ponto que permanece nebuloso é a maneira como o dinheiro será repassado para os prestadores de serviço. O presidente da Associação dos Produtores Teatrais do Rio, Eduardo Barata, declarou se preocupar com os meios e o prazo em que se dará a reversão para quem está na ponta da cadeia produtiva: "Tudo do Estado costuma envolver uma burocracia infernal. Se o produtor receber o vale e o dinheiro só chegar três ou quatro meses depois, complica". Também falta definição sobre qual será a forma física do vale. Sabe-se que a intenção é que ele tenha formato de cartão magnético, a ser produzido por entidades credenciadas pelo MinC. As empresas também podem ou não conceder o benefício. E os gastos (até 1%) com o vale poderão ser deduzidos do Imposto de Renda. Um dos aspectos mais polêmicos da iniciativa é o critério de escolha do consumidor. Em um cenário inflado de opções de entretenimento meramente comercial, blockbusters e fenômenos de cultura de massa, não há garantias sobre como cada beneficiário irá empregar os R$ 50. A princípio, títulos de autoajuda ou ingressos para shows de axé, por exemplo estariam liberados. "É claro que há riscos", acredita Danilo Miranda, diretor geral do Sesc-SP. "Mas muito mais perigoso e complicado seria querer estabelecer critérios limitativos, definir um censor. Prefiro sempre apostar na liberdade, na perspectiva de que essas questões sejam discutidas abertamente", disse ele. Uma das promessas da ministra da Cultura é que o vale "irá beneficiar tanto consumidores de cultura quanto seus produtores, que passarão a ter um público maior". Afinal, apesar de seu inegável impacto sobre a produção cultural no Brasil, as leis de incentivo fiscal não foram capazes de criar um mercado suficientemente forte. O que se vê é uma situação de generalizada dependência: tanto dos setores alternativos quanto daqueles que, em teoria, poderiam ser considerados viáveis comercialmente. A esperança de parcela dos empresários do setor é que o projeto funcione de forma complementar aos mecanismos existentes. "Será um complemento fantástico às leis de incentivo. Há décadas, quando o cinema vivia outra situação política e econômica, grandes bilheterias se faziam exatamente nas áreas mais populares. Isso vai beneficiar muito a produção nacional", defende Mariza Leão, produtora de filmes como De Pernas Pro Ar 1 e 2 e Meu Nome Não É Johnny. Saron é outro que acredita que a proposta terá impacto que ultrapassa os consumidores. "Acredito que muitas produções e atividades vão começar a surgir para dar conta dessa escala de consumidores." Sobre o assunto, Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura, falou ao Estado: "O Brasil, com a aprovação do Vale Cultura, dá um passo importante para garantir o acesso à cultura para milhões de pessoas e ampliar o público dos espetáculos de dança, livros, sessões de cinema, teatro. Estaremos,  assim, fortalecendo a cultura do país e a economia cultural. O impacto positivo na vida social será imenso. Estamos dessa forma complementando o bom momento que o país vive, crescendo economicamente, fortalecendo nossa democracia e retirando milhões de pessoas da pobreza e permitindo que seja também, um momento de desenvolvimento cultural ao acesso de milhões de brasileiros. Os que contribuíram para este passo estão de parabéns!"/ COLABORARAM CAMILA MOLINA, FLAVIA GUERRA E ROBERTA PENNAFORT

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