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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Vacina de vento

O filminho da vacina que nunca aconteceu

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

Empurra o êmbolo, meu amor. Empurra fundo, pelo amor de Deus. Vai, vai! Faz direito...

– Pronto. – Mas já? – Já. – Não senti nada. Faz de novo... – Hum, acho que só daqui a 28 dias. Se tudo der certo... Como se não bastasse a cabeça, o pastel e o pé de vento, eis que agora temos a vacina. Antes fosse um sopro de esperança, mas é só o fim da picada. Uma picada vazia, um falso brilhante, um novo placebo.  É preciso ter peito de cortiça (ou alma de isopor) para cometer esse papelão.  Haja plástico bolha para não estressar.  Ser brasileiro já foi dose. Agora, nem isso.  Somos feitos do ar que alguém injetou.

O filminho da vacina que nunca aconteceu Foto: Igor do Vale / Estadão

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Por quê?  Em que momento perdemos o pulso da situação? Como dorme um profissional que finge aplicar uma vacina no braço de uma idosa? E se dorme, sonha com o quê? Não treme a mão? Não empalidece diante da própria vileza? A máscara que protege também esconde o rosto da vergonha.  Iludidos, venceremos? Não. Penso na crueldade de quem embrulha uma caixa vazia para presente.  No beijo mais demorado de Judas. Na suposta traição de Capitu – e o terror de não ter certeza se foi imunizado ou não?  Em Otelo desconfiado. Em Tiradentes pendurado. Até tu, Brutus? O caráter nacional exibido em um celular perto de você. O filminho da vacina que nunca aconteceu. O novo Parasita. O próximo Bacurau. O Oscar é nosso.  Agulha sem conteúdo. Crônica sem fábula. Só indignação – que também não serve pra nada.  Aos enganados, aos fura-filas, aos ansiosos e aos que ainda sonham dedico a solidão de frequentar o mesmo barco. Ou saímos dessa juntos. Ou bye-bye Brasil.

É REPÓRTER DO ‘ESTADÃO’ E OBSERVADOR DA VIDA URBANA

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