USP cria curso para formar ´poliglotas culturais´

Graduação em humanidades terá período integral e bolsa para os 20 alunos

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Por Agencia Estado
Atualização:

No começo de 2002, a Universidade de São Paulo passa a oferecer um novo curso de graduação, chamado Humanidades. Dele, após pelo menos cinco anos na universidade, o aluno sai sem uma profissão definida: seu objetivo fundamental é formar pesquisadores em ciências humanas. E o meio escolhido é ensinar a ?ler? ? textos, imagens, sons. O currículo, segundo o organizador do curso e professor de filosofia política Renato Janine Ribeiro, será ?permanen-temente experimental? e priorizará o aprendizado dessas formas de leitura, utilizando a filosofia, as artes e a literatura para formar o que chama de ?poliglotas culturais?. Em outras palavras, gente capaz que transitar pelo discurso fragmentado das diferentes disciplinas das ciências humanas: história, letras, sociologia, antropologia, etc. A primeira turma do Humanidades será selecionada em dezembro. Os 20 alunos já devem ter passado por um ano de outro curso da USP. A partir do início das aulas, em tempo integral, eles receberão uma bolsa de iniciação científica. Parte do currículo será definida pelo próprio aluno, com a orientação de um professor. ?Estamos tentando passar de um sistema de excessiva regulamentação para outro?, afirma Renato Janine. Ele critica, por exemplo, a ?corrida contra o relógio? em que se transformou a pós-graduação, que teria transformado os relatórios que os alunos têm de escrever regularmente num fim em si, e não em passos firmes para a elaboração de trabalhos de qualidade. Para Renato Janine, a universidade vive uma crise e deve buscar agregar ?novos modelos?. Isso significaria buscar novos caminhos, sem, necessariamente, abandonar os antigos. Humanidades seria uma tentativa de encontrar um desses modelos novos, em que deve ser priorizada a formação, e não a informação. ?Assim, um curso sobre Descartes serviria antes para ensinar os alunos a prestar atenção aos conceitos; depois, se ele vier a estudar antropologia, sociologia ou economia, estaria muito mais atento a eles?, explica Janine. O mesmo ocorreria com a leitura de romances: não se quer formar especialistas no gênero literário, mas gente capaz de dominar, seja pela leitura, seja pela escrita, formas e figuras de linguagem. Os clássicos e a cultura seriam um instrumento para entender as mudanças do mundo atual ? ?Mas mesmo as bússolas podem enlouquecer quando um ímã aparece por perto: nem sequer elas dão uma garantia, uma segurança, uma certeza?, escreve o professor na apresentação do curso ? o livro Humanidades ? Um Novo Curso na USP (Edusp, 176 págs., R$ 17), que inclui ainda textos de Olgária Matos (As Humanidades e Sua Crítica à Razão Abstrata), Teixeira Coelho (A Cultura como Experiência), Gilson Schwartz (Capitalismo Midiático e Economia Política da Inovação) e Celso de Rui Beisiegel (De Ciências Moleculares a Humanidades, uma Trajetória). Mercado ? Um dos grandes dramas da universidade, na opinião de Janine, é que ela busca, muitas vezes, ?clonar? o mercado. ?Já se pensou que um curso seria tanto mais moderno quanto mais ouvisse o mercado de trabalho. Daí que, em alguns cursos, se simulasse a atmosfera da empresa na qual os alunos iriam trabalhar, uma vez formado.? Para o organizador do curso Humanidades, há equívocos nesse raciocínio ? e o primeiro deles seria a velocidade com que as empresas estariam mudando. Outro é que as empresas já se preocupam com a educação dos empregados ? especialmente quanto ao treinamento das rotinas de trabalho. Como exemplo, afirma que, se uma faculdade de jornalismo reproduzir a redação de um jornal ou revista, por exemplo, o conhecimento que o aluno terá aprendido, na grande parte dos casos, será inútil quando ele chegar ao mercado ? porque poucos entre eles trabalharão em uma redação parecida com a reproduzida. A função da universidade, assim, seria ?ensinar a navegar?. ?Nos anos 70, um estudante que fizesse filosofia praticamente não teria onde trabalhar, fora da universidade ou das escolas; hoje, ele é disputado pelo mercado, porque uma série de capacidades suas passaram a ser valorizadas?, argumenta Janine. Uma dessas características seria a capacidade de entender as mudanças e se adaptar a elas. O curso Humanidades tem como objetivo principal formar pesquisadores em ciências humanas ?familiarizados com a diversidade das linguagens das ciências humanas e/ou humanidades?. Mas Janine não descarta a hipótese de que o meio profissional venha a absorver parte deles, como críticos de artes, jornalistas culturais ou em outras funções. ?Nesse caso, é o mercado que estará correndo atrás da universidade?, argumenta.

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