Usina em ruínas simbolizou a vitória de um solitário

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Chefe, benfeitor e amigo. Está escrito na estátua que foi erigida em homenagem a Pedro Morganti, o homem que levantou a Capela Monte Alegre. A praça fica em frente à igreja. A história por trás desse clã piracicabano dá uma novela, um filme, uma minissérie, o que for. É prodigiosa. A Usina Monte Alegre chegou a ter mais de 5 mil empregados e 900 casas. Uma estrada de ferro escoava a produção. Morganti era tido como "o maior produtor de açúcar do mundo". Foi um dos criadores da União de Refinadores de Açúcar, segundo Cláudio Ramalli, um ex-funcionário da família durante 20 anos e ainda hoje nos escritórios do patrimônio. O "açucareiro" Morganti teve várias usinas e mais de 30 mil hectares de terra por ali e morreu rico. Morganti não nasceu rico. O folclore local reza que seu pai chegou ao Brasil, vindo de Siena, com duas moedas no bolso. Pedro Morganti fez-se sozinho, mas seu talento mercantil não passou para as gerações seguintes. Contam em Monte Alegre que um de seus netos chegou a perder 3.500 alqueires de terra numa única noite de carteado. Outra lenda local, não comprovada, é que um dos seus herdeiros diretos hoje trabalha como estivador no Porto de Santos, justamente por onde se esvaía a imensa produção da Usina Monte Alegre. "Um belo dia eu estava trabalhando ali com o Pedro (neto de Morganti) e chegou o novo dono", conta Cláudio Ramalli velho e fiel funcionário dos Morganti. Ainda hoje, Ramalli demonstra preocupação em falar sobre os antigos patrões, temendo que fiquem magoados com ele. "Foi uma época tão boa, para que botar uma mancha nela, não é mesmo?". Algumas coisas, no entanto, ele conta. Quando era ainda um garoto, um dos herdeiros dos Morganti que vivia na Itália vinha à usina somente para caçar. "Eu cansava de ir e voltar a Araraquara para buscar caixas e mais caixas de munição para ele", conta Ramalli. Quando a mulher de um dos derradeiros descendentes do clã engravidava, iam ter o filho na Itália, para que não nascesse brasileiro. As marcas da família Morganti estão por toda parte. Na placa que dá nome à rua está escrito: "Avenida Joaninha Morganti, cidadã prestante". No aeroporto local, nas ruas, por todo lugar ficou o registro de uma era notável. O edifício do engenho, à beira do Rio de Piracicaba, é uma ruína também impressionante. Gigantesco, está com buracos pelas paredes espessas e o telhado todo ameaça cair. Os prédios anexos têm tijolos arrancados por vândalos e oportunistas, que utilizam em construções novas. A Vila Heloísa, onde viveram os primeiros imigrantes italianos, está completamente em ruínas. São casas geminadas que têm a porta da sala aberta para a rua, numa sucessão harmônica e ancestral quebrada apenas pelos fios elétricos. Os novos proprietários das edificações históricas do lugar já começam suas reformas. A escola Marquês de Monte Alegre acessível por um belo corredor de centenárias palmeiras, está sendo recuperada para ganhar um novo uso. Ganhou também umas estranhas janelas de ferro, no lugar das belas arcadas de madeira. A igreja é de fato o lugar mais bem-conservado. "Acho que foi devido ao uso", diz Wilson Guidotti, novo dono da capela. Sem estruturas de concreto, que não existiam, tem o teto central feito de estuque de bambu. Ao lado da inscrição "Decorada por Alfredo Volpi" há uma outra, "Construída por Pedro Morganti". "Dizem que Pedro Morganti, que era o Rei do Açúcar, era diabético", lembra Marco Antonio Guidotti. Uma refinada ironia.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.