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Unidade em três

Com temas próprios e de outros autores, Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thiago França lançam Metá Metá em aplicativo

Por Lucas Nobile
Atualização:

Foi em 1954, em Fazendeiro do Ar. E veja quanto tempo faz que Carlos Drummond de Andrade, pleno de razão, esbravejou: "E como ficou chato ser moderno/ Agora serei eterno". Mais de cinco décadas depois, o recado ainda vale para o mercado musical, esgotado de lançar artistas embalados por modismos. De uns tempos para cá, em especial neste primeiro semestre, a produção brasileira independente vive uma efervescência criativa animadora. Neste grupo avesso a fórmulas pasteurizadas, sem emular ninguém, mas também sem ser pretensioso e arrogante, o trio formado por Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thiago França acaba de lançar seu disco Metá Metá.Como ainda não se chegou a um consenso sobre a melhor maneira de comercialização de música - em um cenário pós-gravadoras hegemônicas e manipuladoras -, tateando um incerto terreno, os três colocaram seu álbum na praça de graça para os ouvintes baixarem pelo aplicativo Bagagem. Ali, quem fizer o download poderá escutar as dez faixas do CD em formato MP3, conferir o encarte com ficha técnica e ver vídeos concebidos para cada uma das canções. Na escalação, o trabalho visual para os clipes coube a dez artistas plásticos. Com total liberdade, criaram na linguagem em que melhor se expressam. O tema, Oranian, por exemplo, ganhou bela animação sobre jornal, de Marcelo D"Salete. "Uma das vantagens de lançar de graça na internet é você jogar lá o disco e, no dia do show, mais pessoas conhecerem as músicas", conta Dinucci.Após o lançamento gratuito, o trio apresenta-se neste domingo, no Sesc Pinheiros, no projeto chamado Bagagem ao Vivo. A mesma noite contará com show do disco Simbiose, do Projeto Axial, além do coletivo Embolex.O álbum, gravado em 2010, foi reflexo dos caminhos cruzados de Kiko, Juçara e Thiago. Os dois primeiros já tinham lançado em 2008 o bom disco Padê. Depois, na continuação do projeto, vieram shows para os quais ambos foram naturalmente convidando o saxofonista e compositor Thiago França. "O convite foi feito pelo fato de ele não ser apenas um instrumentista, mas também criador. Assim como já era com a Juçara, eu quero gente que está sempre criando ao meu lado. Quando também sou chamado para tocar com alguém, quero construir algo novo ali, naquele momento com quem me convidou", diz Dinucci.O discurso vai além das palavras e pode ser percebido no próprio disco e na postura nos palcos, onde nenhum dos três faz questão de bancar o frontman. Nas redes sociais, após ouvintes terem contato com os trabalhos de Kiko e Juçara, chegaram a compará-los a Baden Powell e Clara Nunes. Há referências, mas vamos devagar com a louça. Não merecem ser rotulados e jogados na fogueira das comparações com monstros do passado. "A gente faz parte de uma geração que cortou o cordão umbilical com os festivais. Nenhum de nós quer ser o Chico Buarque ou o Caetano Veloso. Eu não quero ser o Coltrane, saca? Não quero apenas emprestar meu instrumento para o convencional da partitura, quero fazer um papel diferente e enriquecer o arranjo", diz Thiago França.Repertório e arranjos. Os três também têm, estreita e naturalmente, forte ligação com a musicalidade e a cultura vinda da matriz africana. Não são fortuitos o nome do CD e a estética explícita em Metá Metá."Escolhemos o repertório juntos. Optamos por gravar temas de artistas de que gostamos, sem deixar de registrar um trabalho autoral", diz Juçara Marçal.Neste sentido, o disco é aberto com temas de Siba (Vale do Jucá), Lincoln Antonio (Umbigada), Jonathan Silva (Papel Sulfite) e Mauricio Pereira (Trovoa). E segue com as composições de Kiko, como Samuel (em parceria com Rodrigo Campos, que também toca cavaquinho) e Obatalá. O compositor também concebeu Vias de Fato (com Edu Batata) e Oranian, ambas feitas com o letrista Douglas Germano, com quem já havia lançado o excelente disco O Retrato do Artista Quando Pede, em 2009, no Duo Moviola. E ainda há espaço para as não menos dignas de nota Obá Iná, apenas de Germano, e Ora Ie Ie o, de domínio público.Padê De 2008, disco de Kiko Dinucci e Juçara Marçal já trazia forte influência do candomblé em composições como Padê, São Jorge e AtotôO Retrato do Artista Quando PedeNo belo álbum de 2009, Kiko e Douglas Germano afiados em faixas como Deja Vu, A Loira do Banheiro e CIOFAIXA A FAIXAVale do JucáLetra e melodia forte de Siba.UmbigadaCom Thiago na flauta, composição de Lincoln Antonio.Papel SulfiteBelo tema de Jonathan Silva.TrovoaDe Mauricio Pereira. Gravação mais bonita que a original.SamuelDe Kiko e Rodrigo Campos. Um dos destaques do disco.Vias de FatoSamba precioso de Kiko com Douglas Germano e Edu Batata.OranianDe Kiko e Germano. Percussão de Samba Ossalê e bateria de Sergio Machado.Obá InáDe Germano. Perfume e quentura do candomblé.ObataláA amálgama plena do trio.Ora Ie Ie oSuingada e pra frente.

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