Uma visão contemporânea do Nordeste

Sem apelar para o folclore, o Sesc Pompéia promove neste fim de semana uma grande evento para mostrar as múltiplas referências culturais da região

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Por Agencia Estado
Atualização:

O Nordeste e suas múltiplas referências culturais é o grande tema do evento Paisagem Zero - Nordeste É Todo Lugar, que o Sesc Pompéia inaugura sábado. Não se trata de mais uma mostra sobre as raízes nordestinas, com apelos folclóricos e turísticos, mas do resultado de uma ampla reflexão, promovida em parceria pelo Sesc e pela Fundação Joaquim Nabuco, sobre a vigorosa produção desenvolvida na região em permanente diálogo com o que ocorre no restante do mundo. "Nosso objetivo é discutir esse sistema artístico referenciado, que ocorre à margem do sistema", explica o curador da mostra, Ricardo Muniz. Inspiração para figuras como Lina Bo Bardi - que costumava afirmar que Salvador era a metrópole e São Paulo a província -, o Nordeste é visto nesse projeto não como um local estanque, mas como algo dinâmico, que pode ser aqui, em Nova York ou no Recife. Aliás, toda a programação que ocorrerá no Sesc Pompéia deve ser repetida na capital pernambucana nos dias 25 e 26 de dezembro. Lá estarão a grande cobra sucuri, que já foi exibida anteriormente no Sesc Pompéia em exposição organizada por Lina e que simboliza a dimensão de criação coletiva que o evento pretende sublinhar, o grande penetrável de Hélio Oiticica ou as intervenções relacionadas ao teatro e à dança. O objetivo é compor um panorama diverso e potente de atividades, capazes de mostrar a arte enquanto processo e não como algo acabado, intocável, que deve ser apenas admirado a distância pelo público. "Os objetos artísticos não nos interessam, mas sim a idéia de processo de criação", afirma Muniz. Isso não quer dizer que o evento tenha perdido a dimensão lúdica e divertida que tanto caracteriza a programação do centro cultural. As crianças poderão se divertir "nadando" numa piscina de sementes e correr por dentro da grande cobra de 28 metros de comprimento e 2,5 de diâmetro, criada por Márcia Benevento. Também foi construído especialmente para o evento o grande penetrável PN-16 - Nada, um percurso sensorial que Hélio Oiticica queria montar originalmente em plena Praça da República, em São Paulo, quando foi convidado para realizar uma mostra retrospectiva na cidade. Os organizadores de Paisagem Zero chegaram a pensar em colocar o trabalho no local para o qual ele foi concebido, mas não conseguiram autorização. Há ainda outras atrações concebidas com o objetivo de atrair o público comum a refletir sobre o tema da exposição, como um boteco recriado em plena área de convivência, onde serão distribuídos refrigerantes locais como o Guaraná Frevo; a agência de correios na qual as pessoas poderão enviar cartões-postais gratuitamente ou o núcleo de computadores que permitirá consultar o site do evento e que resume todo o processo de discussão, desde o início do projeto, em agosto de 2001. Lá estão alinhadas as principais referências teóricas, que variam de Gilberto Freyre a Deleuze, representado aliás, com uma provocativa performance na qual o filósofo é retratado dando aula aos porcos. "Afinal, Deleuze dizia que filosofia era coisa para porcos e não para pessoas, pois o saber estabelecido dissolve qualquer possibilidade de conhecimento", explica Muniz. Convém explicar que o evento ocorre em dois tempos. Todas as atividades de caráter performático e teatral serão concentradas no fim de semana, de maneira a potencializar o alcance do evento. Mas as instalações cenográficas poderão ser visitadas até o dia 6. E o evento também não acaba por aqui. Outros desdobramentos já estão sendo programados para o próximo ano. Enquanto eles não chegam, o melhor que o público tem a fazer é colocar os pés no Rio São Francisco, como Lina Bo Bardi costumava chamar o riachinho que corta a área de convivência do Sesc Pompéia, em cuja "margem" foram instalados novos bancos criados por ela e fones de ouvido com textos declamados por 20 autores - como Ariano Suassuna, Patativa do Assaré e Padre Vieira. Afinal, a melhor maneira de conhecer o Nordeste continua sendo ouvir os mestres da literatura e do pensamento nacional. Paisagem Zero. Sábado e domingo, das 11 às 19 horas. Grátis. Sesc Pompéia. Rua Clélia, 93, São Paulo, tel. 3871-7700.

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