PUBLICIDADE

Uma profunda reflexão

No monólogo 45 Minutos, Caco Ciocler mantém contato direto com o público

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
Atualização:

A duração é a mesma de um tempo das partidas de futebol, mas aqui a plateia participa de forma decisiva. No monólogo 45 Minutos, que estreia hoje no Centro Cultural São Paulo, o ator Caco Ciocler reage a qualquer movimentação do público. "Se alguém tosse, eu faço algum comentário", explica ele que, sozinho no palco, vive justamente um ator obrigado a entreter as pessoas durante 45 minutos, tempo considerado mínimo para uma peça teatral."Ele não quer estar ali mas não tem escolha, pois depende dessa atuação para poder continuar morando de favor em um quarto no fundo do teatro", conta Ciocler. Com isso, enquanto aparentemente não acontece nada (o ator chega a pedir sugestões para os espectadores sobre o que fazer), aos poucos o monólogo atinge seu principal objetivo: discutir a crise que atinge o gosto do público, atualmente mais interessado em entretenimento que reflexão. Escrito por Marcelo Pedreira, 45 Minutos provoca quem o acompanha ao questionar a capacidade do teatro em proporcionar uma experiência potente e transformadora. "Aproveito esse tempo para dividir com os espectadores justamente a negação do vazio." Assim, sob a direção de Roberto Alvim, Ciocler ocupa um palco na penumbra e estabelece uma conexão que varia a cada espetáculo. "Houve dia em que participei de uma comédia, graças às risadas nervosas das pessoas; em outro, foi um drama, tal o silêncio, a falta de interação", relembra o ator.O espetáculo estreou no Rio de Janeiro em abril e cumpriu temporada até junho. Como estava em um teatro localizado na região central da cidade - o que aparentemente desencorajava a ida de um público mais habituado às artes cênicas -, Ciocler tomou uma decisão inédita: terminada a sessão, que começava às 19h30, ele corria para o Leblon, reduto dos fãs de teatro, onde apresentava a mesma peça, a partir das 23h30. "As reações sempre foram muito distintas, o que me obrigava a me preparar todos os dias para o inesperado."Assim, ele enfrentou desde plateias que achavam o espetáculo muito ruim porque nada acontecia até pessoas que entravam, de fato, no espírito da peça ao questionar a função do teatro: arte ou entretenimento? Ao longo da temporada, Ciocler colecionou histórias pitorescas - como a do pedido que foi obrigado a fazer inúmeras vezes para as pessoas não consultarem seus celulares durante a peça, pois criavam uma incômoda iluminação."Como meu personagem não sabe exatamente o que fazer e pede palpites para a plateia, houve momentos em que não recebi nenhuma resposta mas também aconteceu de ouvir propostas impraticáveis como "tira a roupa", "vai embora" ou "fique quieto"." Nessas situações, Ciocler é obrigado a improvisar; já para o silêncio, ele tem algumas soluções previamente preparadas, que não convém divulgar.Caco Ciocler lembra que foi procurado há seis anos pelo autor, Marcelo Pedreira, que então lhe ofereceu o texto. Por incompatibilidade de agenda, o ator não pôde aceitar. O dramaturgo, então, consultou outros pretendentes até viabilizar uma produção, com patrocínio garantido. "Só que aconteceu algum problema e as pessoas envolvidas não puderam continuar no projeto", lembra-se. "Marcelo, então, voltou a me procurar e, ao reler o texto, descobri novas possibilidades que me encantaram. Acho que a maturidade adquirida nesses seis anos me permitiu descobrir particularidades muito atraentes na peça."No início do projeto, a direção de Roberto Alvim previa um ator praticamente imóvel em cena, centrando a atuação na fala. O palco do Teatro Sesi, onde a peça estreou, no entanto, era grande demais para uma ocupação tão restrita. Assim, aos poucos, Caco Ciocler foi descobrindo novos espaços, sem contudo, perder a concisão nos atos. "A proposta, afinal, é promover uma experiência desconcertante, que põe em questão todos os fundamentos do teatro."Apesar de original e extremamente estimulante, 45 Minutos não despertou grande atenção da crítica carioca, que praticamente ignorou o espetáculo - até mesmo os maiores interessados, os artistas, demoraram para descobrir a peça. Trata-se, na verdade, de uma proposta que exige uma adesão visceral ao criticar justamente a atitude daqueles que evitam esse contato. "Ao final, tanto o público como eu saímos modificados", diz Ciocler.45 MINUTOSCentro Cultural São Paulo. Rua Vergueiro, 1.000, Paraíso, tel. 3397-4002. 5ª a sáb., às 21h; dom., às 20 h. R$ 20. Até 14/8.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.