Uma história entre os filmes e a vida

O uruguaio A Vida Útil tem como personagens críticos de cinema e, por palco, a Cinemateca

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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Bonito filme esse uruguaio A Vida Útil, que aqui recebeu o subtítulo de Um Conto de Cinema. Não deixa de ser mesmo uma espécie de conto. É um filme para cinéfilos, mas vai além disso. Dirigido por Federico Veiroj, tem como protagonista o personagem Jorge (Jorge Jellinek, crítico de cinema na vida real), dirigente da Cinemateca de Montevidéu. Jorge contracena com Martinez, interpretado por outro crítico, Martinez Carril, que de fato presidiu a Cinemateca durante muitos anos. O filme é em preto e branco e ressoa como aquelas narrativas intimistas de François Truffaut. O cenário principal é a própria Cinemateca de Montevidéu. De passagem: é uma das mais antigas e completas da América Latina. Tem mais de 50 anos de existência e, durante o frenético século 20, com sua bipolaridade política, recebeu muitas cópias vindas de países socialistas. A solidariedade comunista existia e dela a Cinemateca se beneficiou. Isso faz com que tenha um belo acervo em seu depósito. Várias vezes emprestou cópias ao Brasil para mostras e retrospectivas. Em A Vida Útil, a Cinemateca conhece mais um dos seus períodos de crise cíclica. Não tem público. Não tem dinheiro. Na história, há dois ciclos em cartaz, um do cinema uruguaio contemporâneo, outro do diretor português Manoel de Oliveira. Quem se interessa? As salas são ocupadas por gatos pingados. Promove-se uma coleta entre os espectadores, pois a instituição já não consegue nem mesmo pagar o aluguel. Para completar, uma fundação patrocinadora anuncia sua saída, pois não pode pôr dinheiro bom em causas deficitárias. Novos tempos. Tristes tempos. Em meio a essa crise, Jorge, aos 45 anos, cai de amores por Paula, uma professora de Direito que às vezes aparece por lá para ver um filme. Ela é meio esquiva e Jorge a procura na própria faculdade. Lá, ele protagoniza uma das cenas mais interessantes e passa-se por professor, citando Mark Twain. Cada um entenda como quiser a alusão. Para Jorge, tem efeito libertador. Apesar de centrado na Cinemateca e nesse assunto que só parece interessar aos aficionados, A Vida Útil vai além da intimidade da sala escura e seus ratos de filmes. Promove uma interessante discussão entre cinema e vida, a partir justamente daqueles que se dedicam profissionalmente aos filmes. Um crítico também é um ser vivente e, se as coisas não vão bem para sua profissão, nada melhor que arrumar uma namorada. No fundo, é a discussão do papel do cinema em nossa vida. E da nossa vida na maneira como vemos o cinema. Leve, bem-humorado e inteligente, A Vida Útil não deve passar despercebido em nosso circuito. Pelo menos não deveria.

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