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UM TRIBUTO A DOIS IRMÃOS

Félix e Fanny Mendelssohn são celebrados em CD do quarteto de cordas Ebène

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Por Redação
Atualização:

Crítica: João Marcos Coelho

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O quarteto de cordas francês Ebène completou seus primeiros dez anos de existência em 2009, ganhando o prêmio de melhor gravação do ano da prestigiada revista inglesa Gramophone. No repertório, obras de Fauré, Debussy e Ravel. De lá para cá, firmou-se como um dos mais qualificados do planeta. Cada um de seus lançamentos é saudado como um acontecimento. O gesto se repete com o mais recente CD, que acaba de chegar ao mercado internacional.

Como sempre, a construção do repertório é bastante inteligente. Eles escolheram peças de dois irmãos - ele muito famoso, ela hoje só conhecida por causa do irmão célebre. Estou falando de Félix e Fanny Mendelssohn - na meninice e juventude, ambos eram igualmente talentosos. A injusta condição social feminina no século 19, porém, impulsionou a carreira do menino e recalcou a da menina. Mesmo assim, Fanny continuou tocando piano e compondo. Para se ter uma ideia, o conjunto da produção de Fanny beira as 400 obras, um volume tão significativo quanto o das criações musicais de Félix, reputado como um dos grandes compositores da história da música (hoje ela só é citada em nota de rodapé, como parceira musical do irmão na infância e adolescência).

Os Ebène colocam no centro do CD o único quarteto de cordas de Fanny em mi bemol maior, composto em 1834. E o emolduram com dois quartetos de Félix. E eles se aplicam intensamente na interpretação desta obra única, na qual Fanny mostra que estudou Beethoven a fundo. No Allegretto, por exemplo, ela se inspira claramente, no Scherzo da Quinta Sinfonia de Beethoven. Basta ouvi-lo uma vez para lamentar que Fanny só tenha composto um. A moldura que os Ebène escolheram institui como introdução ao universo musical de Fanny o quarteto n.º 2 em lá menor de Félix, escrito em 1827, ano da morte de Beethoven, e igualmente influenciado pelo autor da "Grande Fuga". Entre seus movimentos, destaca-se a leveza com que os Ebène interpretam o conhecido Intermezzo: Allegretto con moto di molto.

Ouvir o CD na ordem proposta só multiplica o impacto. E esta é a maior virtude desta formidável gravação. É um emocionante crescendo, que começa com o quarteto juvenil de Félix; prossegue com o único quarteto de Fanny, de 1834; e conclui com o sombrio quarteto opus 80, composto por Félix em 1847. É a última obra de câmara do compositor, completada em setembro de 1847, sob o luto que lhe provocou a morte da irmã querida, Fanny, em maio daquele ano.

Depois deste quarteto, Mendelssohn apenas retocou e completou uma série de seis "lieder". Obra rara de se assistir em concertos e também em gravações, foi qualificado por Knepler como "o réquiem de uma era". De fato, contrasta com seus quartetos anteriores: baseado no sombrio e dissonante intervalo de quarta diminuída, apresenta descontinuidades estilísticas e certa desintegração motívica - o oposto absoluto da imagem clássica, polida e elegante que hoje temos dele. Com exceção do Adagio em lá bemol maior, os demais movimentos estão na sombria tonalidade de fá menor. É, na verdade, um réquiem para Fanny. Mendelssohn tocou-o pela primeira vez em 5 de outubro. Morreu em 4 de novembro seguinte. Mais do que um réquiem de uma era, esta foi a forma musical que Mendelssohn encontrou para compor um réquiem para Fanny: obra sublime, trágica. E excepcional.

Nestas três obras contrastantes e ao mesmo tempo tão emocionalmente ligadas, o quarteto Ebène mantém um elevado nível de interpretação. Entusiasmado no quarteto juvenil de Félix; lírico e envolvente no quarteto de Fanny; e trágico sem arroubos, colocando em sons um luto resignado no opus 80, certamente a obra em que Félix mais se desnudou ao longo de sua vida.

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