Um seleto panorama da pintura mexicana

Mostra em Veneza reúne poucas, mas excelentes obras da fase áurea da arte no país latino-americano, e é um dos grandes atrativos do circuito paralelo à Bienal

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Por Agencia Estado
Atualização:

O México está ocupando um lugar de destaque na programação artística de Veneza durante um de seus períodos mais quentes, a Bienal de Artes, com uma das poucas exposições históricas em cartaz na cidade. A exposição Frida Kahlo e I Capolavori della Pittura Mexicana, em cartaz na Fundação Bevilacqua La Masa, de Veneza, realiza uma resumida, mas encantadora síntese da produção pictórica mexicana que tem início com um conjunto de trabalhos dos artistas muralistas e chega até nossos dias com poucos exemplos mais recentes, com o intuito de sublinhar ao mesmo tempo a vitalidade da produção nacional e a existência de uma tradição e de uma diversidade na produção do país ao longo de quase um século. Atraído pelo nome de Frida Kahlo, anunciado em grandes letras como a grande estrela da exposição, o visitante pode ficar um pouco frustrado ao perceber que sua participação na exposição se resume a uma dúzia de pinturas e fotografias, instaladas no andar térreo da galeria na Praça São Marcos. Mas aos poucos vai-se descobrindo que por trás daquele chamariz há um reduzido, mas muito rico panorama da produção artística mexicana da primeira metade do século 20, no qual estão representados todos os seus grandes expoentes. A grande obra-prima da mostra é a obra As Duas Fridas, pintada em 1939 pela prima donna da exposição, que participou da antológica exposição de arte surrealista realizada no México em 1940 ? em conseqüência da visita ao país de André Breton, que se mostrou fascinado com a obra de Frida ? e atualmente é a obra mais visitada do Museu de Arte Moderna da Cidade do México. Segundo o diretor dessa instituição, Luis-Martin Lozano (que assina a curadoria da exposição com o crítico italiano Achille Bonito Oliva), este trabalho é como um resumo de sua obra, por meio da qual ela consegue atingir seu objetivo de transcender pelo meio da arte e promover ?a síntese absoluta de sua condição de mulher e pintora?. Há outras obras importantes suas na seleção, quase todas derivadas de duas principais vertentes: a influência surrealista que a artista renegou em vários momentos, mas que constitui uma das bases de seu universo criativo, ao lado da tradição da arte popular e religiosa de seu País, e o forte caráter autobiográfico, confessional e violento que encontramos em várias de suas telas (leia ao lado). Como se poderia facilmente imaginar, o segundo ?personagem? da exposição é Diego Rivera. Numa espécie de inversão curiosa, o grande expoente da pintura mexicana pós-Revolução é agora introduzido à sombra de Frida Kahlo ? ao contrário do que ocorreu até recentemente. ?O marido de Frida?, que a fez sofrer com suas infidelidades, é apresentado não como um fundador da pintura nacionalista mexicana, mas como alguém profundamente interessado no diálogo com as vanguardas européias, como os exercícios evidentemente cézannianos ou cubistas em exposição. Dos outros mestres da Escola Mexicana (termo reducionista para Lozano), como Siqueiros, María Izquierdo, Orozco e Tamayo, há pouquíssimas obras, mas selecionadas com grande cuidado, como a genial Nascimento do Fascismo, pintada por Siqueiros em 1936, que possui um movimento e uma carga dramática que retrata de maneira impressionante o caos que estava por vir. Tradição popular ? Há uma série de investigações sobre a tradição e o imaginário popular mexicano, escolhidos a dedo para confirmar a tese do curador mexicano: a de que há uma enorme diversidade na produção desse período, que foge do estereótipo nacionalista normalmente vinculado ao período da arte muralista. A idéia é ?redescobrir um panorama artístico incrivelmente pluralista e heterogêneo, repleto de propostas visuais, de inquietudes e demandas: sobretudo de demandas, pois me parece que a aventura estética dos artistas mexicanos, mais que de respostas, fosse cheio de dúvidas e incertezas?, diz. ?Foram 40 anos de experiências e projetos, na tentativa de sofisticar uma ansiosa idéia de modernidade, de aprofundar e definir nossa identidade, de enriquecer o exercício pictórico com a vanguarda de ultramar.? Se para os mexicanos é necessário afirmar a heterogeneidade e a universalidade de sua produção pictórica mais luminosa, não se pode esquecer a importância vital do engajamento artístico em um projeto nacional. Como diz Picasso, em frase citada por Bonito Oliva, ?ser original significa reencontrar a própria origem?.

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