Um retrato forte do racismo na Hungria

O diretor Benedek Fliegauf fala de seu filme 'Apenas o Vento', que ganhou o Urso de Prata em Berlim, no ano passado

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Por Luiz Carlos Merten
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Benedek (também chamado de Bence) Fliegauf possui referências e preferências disparatadas. Admira os irmãos Dardenne, Miranda July e Paul Greengrass e, em fevereiro do ano passado, em Berlim, confessou que seu filme recente preferido, em anos, era Headhunters, do nórdico Morten Tyldum, do qual gostava justamente por ser um thriller sombrio. Nada disso parece juntar, mas deu certo em Apenas o Vento, quinto longa de Fliegauf, que venceu o Urso de Prata na Berlinale de 2012. Se tivesse vencido o de Ouro, ninguém iria reclamar - mas era o ano de César Deve Morrer, dos irmãos Taviani, e o júri fez a coisa certa.Apenas o Vento é definido pelo próprio diretor como cinema social (os Dardennes?) com uma pegada de thriller dark (Greengrass? Tyldum?). Fliegauf morava - e trabalhava - na Alemanha quando, em 2008 e 2009, acompanhou pela imprensa o que se passava no país em que nasceu, a Hungria. Uma série de ataques a ciganos - casas incendiadas, tiros desferidos contra pessoas desarmadas, crianças inclusive - produziram pelo menos 55 vítimas. Seis morreram, cinco tiveram ferimentos graves. Num encontro com o repórter do Estado, Fliegauf disse que foi uma sensação estranha ler a cobertura da imprensa estrangeira (alemã) sobre o que se passava."Já havia feito curtas, quatro longas, um em língua inglesa (Womb). Abandonei o projeto no qual trabalhava e voltei com minha família para a Hungria, para tentar entender o que se passava, já disposto a fazer um filme." Para Fliegauf, o empobrecimento geral da população e o racismo contra os ciganos, transformados em bodes expiatórios da crise, forneciam um retrato explosivo da situação no país. Durante dois anos ele pesquisou. Entrevistou grupos de ciganos em diferentes regiões. Sua intenção era fazer o filme com atores ciganos. Não encontrou o que procurava. Resolveu fazê-lo com não profissionais, como outros filmes de sua carreira. Foi mais difícil do que esperava."Descobri que há mais racismo entre os próprios ciganos do que seria desejável. E eles só queriam fazer o filme se fosse para a televisão, em busca de celebridade." Nascido em Budapeste, em 1974, Fliegauf ainda não chegou aos 'enta'. Na época da entrevista, não tinha nem 38 anos - estava com 37. Seus curtas e longas lhe deram projeção no cinema do país, e ele agradece ao mítico Miklos Jancso, de quem foi assistente. Baseado em documentação, ele criou sua história: uma família de ciganos que vive numa área afastada, na floresta. A mãe trabalha, os filhos - o ponto de vista é o do garoto - estudam, mas se envolvem em atividades, digamos, ilícitas. Há um velho e o pai, ausente, está no Canadá, à espera de levar a família.Começam a ocorrer ataques a outras famílias. O tempo é concentrado. Uma noite de violência e um dia de expectativa. À noite, apesar da precaução da família, os 'caçadores' voltam armados. Fliegauf conta que se chocou com uma imensa maioria silenciosa, que achava que a situação dos ciganos - os roma, como são chamados - não lhes diz respeito. Ele foi a uma escola e o professor lhe disse que, em vez de famílias de ciganos, ele devia se preocupar com o fato de que a existência dos romas era uma ameaça aos meninas e meninas da turma. Foi contra esse racismo insidioso que ele fez seu filme vigoroso. Apenas o Vento foi indicado para o Oscar, mas não integrou a lista final dos concorrentes ao prêmio para o melhor filme estrangeiro.

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