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Um policial talhado para os palcos

Pouco explorados no teatro, textos de suspense estão na mira da Cia. Goya, que estreia o espetáculo 'A Armadilha'

Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

Tramas policiais são vistas, muitas vezes, como manifestações menores do cinema e da literatura. No teatro não é diferente. E talvez o olhar demeritório seja ainda mais agudo. Foi movida pela vontade de explorar e encenar textos do gênero que a Cia. Goya de Teatro foi criada. Uma trajetória que deve ter largada hoje, no Espaço Parlapatões, com a estreia de A Armadilha. Escrito pelo norte-americano Ira Levin, o texto ficou em cartaz durante quatro anos na Broadway. Depois foi transformado em filme, com Michael Caine no papel principal e direção de Sidney Lumet. "Mas será que o thriller funciona no teatro brasileiro?", questiona a diretora Susane Walker. Recentemente, Marcos Caruso obteve boa acolhida do público ao protagonizar o misterioso Em Nome do Jogo. Mas incursões dos diretores nacionais por esse tipo de dramaturgia ainda são uma raridade. Em A Armadilha uma série de revelações e reviravoltas pretendem prender a atenção do espectador. Conta-se a história de Sidney (Jorge Minicelli), dramaturgo que obteve imensa repercussão com uma de suas peças e, depois disso, nunca mais conseguiu escrever algo que não fosse um fracasso. A cena inicial traz o autor diante de um convite ao crime: seu aluno escreveu uma peça pronta para estourar nas bilheterias. E ele, sem conseguir livrar-se do seu bloqueio criativo, poderia assumir a autoria do provável sucesso se matasse o seu verdadeiro autor. Ao descrever suas intenções para a mulher, Sidnei parece ter arquitetado um "plano perfeito". Um mote bastante comum em narrativas detetivescas. Porém, como também é próprio desse estilo, nem tudo é o que parece ser. As intenções do derrotado autor são, na verdade, outras. A cada ato, Ira Levin reposiciona a trama com uma surpresa. Reconhecido também por seus romances (o livro A Semente do Diabo inspirou Polanski em O Bebê de Rosemary), Levin desenha com A Armadilha o que os anglo-saxões chamam de comedy thriller, uma combinação de humor e mistério. A personagem de uma vidente, que antecipa os crimes, só que nem sempre acerta na ordem e no caráter dos acontecimentos, é responsável pelos respiros cômicos da montagem. Outro traço dissonante na obra é a metalinguagem. O título fala da construção de uma peça. Um mote que vai ganhando inúmeras camadas com o decorrer das ações. "Peças desse tipo têm sido chamadas comedy thriller pós-modernas porque o componente da metalinguagem desestrutura a velha fórmula do suspense", comenta a diretora, que trabalhou como assistente dos diretores Antunes Filho e de Peter Stein, da Schaubühne de Berlim. Para a encenação, a cia. Goya optou por uma caminho que permanece fiel a alguns preceitos do realismo, mas não busca um aprofundamento psicológico das personagens: o que significaria, por exemplo, tentar entender suas motivações e seu passado. "Esse caminho nos fazia perder a agilidade no jogo que está proposto pela peça", acrescenta Susane.

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