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Um perfeito domínio do tempo e do sentido dos simples detalhes

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Por Redação
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Crítica: Luiz Zanin OricchioJJJJ ÓTIMOJJJJ ÓTIMOAbbas Kiarostami causa sempre surpresa. Em Shirin, o espectador é convidado a assistir algo que se passa num palco que ele nunca vê. O que vê são os rostos das espectadoras. Vê através do olhar do outro. Em Cópia Fiel, uma mulher leva um suposto desconhecido a passeio pela Toscana até que começam uma discussão de relação, como se fossem um velho casal. Seria isso mesmo ou estariam apenas encenando, um para o outro? Agora, em Um Alguém Apaixonado, as surpresas não são menores. A partir de alguns elementos simples - uma jovem garota de programa e universitária, um professor idoso, um noivo ciumento - Kiarostami nos surpreende a cada passo. Na primeira apresentação do filme, domingo à noite no Cinesesc, o próprio Kiarostami estava lá para receber o Troféu Leon Cakoff, ser homenageado e homenagear o inventor da Mostra de Cinema de São Paulo, morto no ano passado, e, claro, falar do filme. Para quem acha que tanta invenção e surpresa é fruto de improviso, Kiarostami avisa logo: "Eu tenho sempre de saber para onde vai a história, senão não consigo dirigir". Então, é tudo pensado. E, na verdade, muito bem pensado. Apesar desse cálculo meticuloso, seu cinema não é cerebral, no sentido de ser frio; pelo contrário, ele trabalha com as sutilezas da emoção e nos envolve nesses meandros da alma humana. Um Alguém Apaixonado é o seu segundo filme seguido rodado fora do Irã. Cópia Fiel foi feito na Itália, com elenco italiano e francês. Um Alguém Apaixonado é ambientado no Japão, falado em japonês e com atores locais. Capta mesmo o espírito do país que nos legou Ozu e Mizoguchi, com sua sutileza, com sua arte de falar nas entrelinhas e dizer tudo por subentendidos. Uma delicadeza que pode, de repente, explodir em violência porque, por contidos que sejam os personagens, são paixões humanas as que estão em jogo. Há, em Kiarostami, como nos japoneses, esse inacreditável domínio do tempo, encontrado apenas nos mestres - Manoel de Oliveira, Raúl Ruiz, gente assim, que se conta nos dedos de uma só mão. Pensamos que às vezes Kiarostami está perdendo tempo, mas ele está contando a história em suas minúcias. Em sua malícia. Se um personagem tem sete mensagens em seu celular, ele faz com que ouçamos as sete, sem elipses, para sentirmos o dilema em que se encontra a pessoa. Uma trivial conversa em torno de uma correia de motor de automóvel pode significar a aproximação ilusória entre dois personagens. E assim por diante. Quando pensamos que nada acontece é que o essencial se desenrola debaixo dos nossos narizes. E tudo é muito simples, sem complicação, sem artifícios. Um Alguém Apaixonado é obra de mestre, de um dos poucos mestres consumados ainda em atividade no cinema.

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