Um olhar estrangeiro sobre o candomblé da M.Officer

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Por Agencia Estado
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Um punhado de rolhas de champanhe pode virar um colar exótico, uma colagem de esparadrapos serve para materializar uma camiseta diferente, um desastre ecológico é a inspiração para cobrir de preto modelos exuberantes, como protesto contra o vazamento de petróleo nos mares. Para entender o renomado stylist inglês Judy Blame, contratado para produzir o desfile da M. Officer na próxima semana de moda brasileira, é só pensar em como unir coisas aparentemente contraditórias. Blame é o orientador do visual de cantoras como Björk e Neneh Cherry, além da atriz Cameron Diaz. É também colaborador de revistas de vanguarda como a ID, The Face e Vogue, e se define como uma espécie de artista visual, uma antena parabólica que transforma tudo que existe no mundo em imagem de moda. Em sua primeira visita ao Brasil - para estudar o candomblé que guiará a produção do desfile da grife do estilista Carlos Miele -, Blame contou detalhes sobre seu trabalho, que há anos encanta nomes importantes da moda internacional. Judy Blame, 40 anos (20 de profissão como produtor de moda), é um captador de tendências, estilos, estéticas underground e novos talentos. Seu trabalho nas mídias especializadas da moda tem o poder de influenciar e mudar o modo de encarar o mundo fashion. Apaixonado por moda desde a infância, Blame envolveu-se com o meio ao iniciar carreira produzindo acessórios. Criava artesanalmente peças únicas para os desfiles de estilistas como Rifat Ozbek, John Galliano, Hussein Chalaian, Philip Treacy, além de produzir os shows do cantor Antony Price. Pouco a pouco, foi passando da produção de acessórios para os editoriais de moda, onde começou a criar imagens para a mídia parisiense, francesa, inglesa e japonesa. Talvez por esta razão, uma das marcas registradas de seu trabalho seja a extrema atenção aos detalhes. "Ao contrário das pessoas que trabalham com moda, meu método de criação é partir do universo micro, ou seja, do acessório, para chegar na roupa: a imagem macro", conta Blame. Não é só na criação que o stylist se difere da massa. Para ele, a moda é um meio de expressar arte, gastronomia, música, etc., ou seja, influências de qualquer natureza. "Para ser um stylist o importante é não olhar para a moda para fazer moda mas se inspirar na vida e ser muito aberto", comenta Blame. Segundo o produtor, este foi um dos pontos de atração entre ele e Carlos Miele. "Miele, assim como eu, não se restringe à moda, mas procura encontrar inspiração na música, no vídeo, na fotografia, na arte; temos a mesma linguagem criativa", diz o inglês. O tema da próxima coleção outono/inverno 2001 da M.Officer será o candomblé e suas influências na cultura brasileira. "A frase que está me inspirando para o desfile é de Gilberto Freire e diz: ´todo brasileiro é negro nas suas expressões mais sinceras´", explica Miele. Em visita ao Brasil, Blame fez questão de mergulhar no tema do desfile e durante quatro horas assistiu a um culto de candomblé. Segundo ele, a espiritualidade e o branco contrastante foram o que mais lhe chamaram atenção. À partir desta experiência, o stylist ficará responsável pelo olhar estrangeiro sobre um desfile de inspiração brasileira. "Carlos vai fazer o bolo e eu vou colocar o chantilly", brinca Blame, que promete realizar o melhor desfile da carreira do estilista. A julgar pelo trabalho do stylist o evento tem tudo para ser um sucesso. Entre os principais editoriais produzidos por Blame estão uma série de fotos de 1993 para a revista The Face, cujo ponto de partida foi fazer da pele dos modelos a própria, aplicando zíperes em suas carnes. Outros trabalhos para a mesma revista incluíram um editorial de moda utilizando folhas de jornal como parte das peças, e as controvertidas fotos de 1995, quando Linda Evangelista, Kate Moss, Naomi Campbel, Nadja Auerman e outras tops apareceram com um piercing entre os olhos. "Todos falaram muito deste editorial, mas na realidade não eram piercings, e sim bolinhas de metais coladas na pele", revela Blame. Outro polêmico trabalho foi feito para a ID em 1996. O tema era Senso de Valor, e para ilustrar as páginas com o máximo de realismo, Blame resolveu comparar o preço de roupas milionárias de estilistas como Vivian Westwood e Christian Dior, com o número de pessoas que se poderia ajudar no mundo gastando aquela mesma fortuna. "Fui muito criticado pelo mundo da moda", conta o produtor. Blame também ganhou reconhecimento pela criação do visual e do primeiro álbum solo de Björk, além da produção da imagem de bandas como Massive Attack, cantoras como Nenh Cherry, e trabalhos com fotógrafos como Jean Baptiste-Mondino e Nick Night. Entre os trabalhos que deverão acontecer ano que vem, estão a produção no álbum do novo cantor africano Baaba Maal, do Senegal, da banda Gum, além da primeira experiência na direção de um videoclipe, para o cantor Tim Hutton. Há também a produção de um livro encomendado por Björk, que deve conter imagens de todas as pessoas que já trabalharam com a cantora. Em janeiro Blame volta ao Brasil para concretizar a produção do desfile, e espera conhecer um pouco mais da nossa cultura. "Eu não imaginava que São Paulo era tão grande e que a moda no Brasil estivesse tão avançada", confessa, pois durante sua estadia percorreu as lojas Reinaldo Lourenço, Glória Coelho, Alexandre Herchcovitch, Forum, entre outras. Segundo ele, a chave do sucesso do País no mundo da moda internacional é nunca perder o orgulho de ser brasileiro. "O mercado europeu não quer ver cópias européias mas algo com identidade nacional", diz o Blame, que acredita que na paixão pela vida como essência do verdadeiro brasileiro.

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