Um mineiro cheio de manias

Roberto Drummond escondia a idade e o local exato onde nascera, e morria de medo de morrer

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Por Agencia Estado
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Era um sujeito obstinado em tudo o que fazia. Jornalista e escritor, só pensava em escrever. O texto perfeito era para ele uma obsessão, uma utopia que incorporou a seu estilo de repórter, de cronista e - Hilda Furacão não me deixa exagerar - de um bom romancista. Robert Francis Drummond, que assim se chamava pelo registro do cartório, era também um mineiro cheio de manias. Nasceu na cidade de Ferros, mas durante muito tempo disfarçou essa origem caipira. Dizia, nas orelhas de seus livros, que era natural do Vale do Aço, como se alguém pudesse brotar de uma região assim tão ampla. Morreu com 68 anos, completados em dezembro, outra informação que só recentemente os amigos conseguiram apurar. Moacir Japiassu, um deles, deu-se o trabalho de providenciar uma cópia da certidão de nascimento, para ter a prova em mãos. Disfarçar a idade fazia parte da inocente vaidade de Roberto. Conheci Roberto em 1962, quando comecei como foca do jornal Correio de Minas e ele já era diretor da revista Alterosa. Tinha então 28 anos de idade, um dos mais jovens executivos da imprensa de sua geração. Era um gênio do jornalismo, com pretensões literárias, cercado de talentos que ia moldando à sua imagem e gosto. Alterosa revolucionou a imprensa de Minas Gerais, com repercussão no restante do País. Era uma revista leve e bonita, de fotos arrojadas e imensos brancos, que os diagramadores Eduardo de Paula e Jarbas Juarez desenhavam sob o comando de Roberto Drummond, um ditador na imposição de idéias e soluções que, todos acabavam reconhecendo, traduziam a receita exata. Diretor com cara de menino, mas carregava já uma respeitável bagagem. Como repórter, trabalhara na Folha de Minas, na edição mineira de Última Hora e no semanário Binômio, no qual conseguiu um belo furo de reportagem, quando comprou um casal de nordestinos para provar que se explorava o trabalho escravo na região de Montes Claros. Um dos orgulhos de Roberto Drummond foi a invenção de Henfil. Foi ele quem batizou com esse apelido o jovem desenhista Henrique de Souza Filho, quando ele revelou seus traços de cartunista à margem do trabalho de revisor. Espelho competente da francesa Paris Match, a revista Alterosa abriu espaço generoso para os irreverentes personagens de Henfil. Tentação- Outra obsessão foi Belo Horizonte, de onde Roberto nunca saiu. Até que tentou uma experiência no Rio, a convite do Jornal do Brasil, mas a tentação durou pouco. Sua paixão era o Savassi, o bairro que para ele era "a Ipanema de Minas Gerais". Estava sempre rodando por ali, para um bate-papo amigo num boteco ou numa livraria. Roberto Drummond morria de medo de morrer. Resistiu, enquanto pôde, a voar de avião. Quando ganhou um Prêmio Nestlé no Paraná, alugou um táxi para ir recebê-lo em Curitiba. Embarcou depois num jato para ir a Cuba, para receber outro prêmio, mas não escondeu o pavor. Ao chegar a Havana, passou a noite em vigília, imaginando que pudesse se cumprir ali, como uma profecia, o título de seu romance Quando Fui Morto em Cuba. Credenciado pelo Estado de Minas, no qual escrevia sobre futebol - outra paixão desse atleticano irremediavelmente parcial - Roberto desistiu de viajar. "Tenho medo de morrer no Japão", alegou ele, um hipocondríaco de indisfarçáveis sintomas. Recusou-se a ir ao médico, quando entrou na redação se queixando de suspeita dor no braço. "Vão me internar e não posso deixar de ver o jogo", foi a sua desculpa. Seja o que Deus Quiser, dizia o título de sua última crônica, que o jornal publicou na edição de hoje. Como se fosse uma profecia.

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