Um escritor brilhante e inovador

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Por Agencia Estado
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Em uma entrevista a um jornal argentino em 1999, Chico Buarque de Holanda confessou que se achava mais inovador em sua literatura que nas letras de suas canções. E, se assim acreditava, era para reforçar também a influência literária que sempre marcou suas histórias em livros. Foi assim, por exemplo, com a história infantil "Chapeuzinho Amarelo" (1979), surgida a partir das fábulas que contava para a filha Luisa. Ou ainda em "Fazenda Modelo" (1974), que imediatamente remete a "Revolução dos Bichos", de George Orwell, mote escolhido para revelar e criticar a difícil situação vivida então pela sociedade brasileira, tolhida por uma ditadura militar. O grande passo de Chico Buarque, porém, foi dado com "Estorvo", publicado em 1991, em que o próprio autor considera a virada para a maturidade literária. Trata-se de uma nova fase de sua escrita, em que ele busca alternativas para expressar seu pensamento. Conta, basicamente, a trajetória de um homem que não se sente bem em nenhum ambiente onde está. "Estorvo é um livro brilhante, escrito com engenho e mão leve", observou o ensaísta e professor Roberto Schwarz, autor do artigo "Um Romance de Chico Buarque", que figura no livro de ensaios "Seqüências Brasileiras" (Companhia das Letras). "Em poucas linhas, o leitor sabe que está diante da lógica de uma forma." Segundo Schwarz, o grande achado do autor é construir uma narrativa que corre no ritmo acelerado (na primeira pessoa e no presente), ao mesmo tempo em que busca ser despretensiosa. "A expressão simples faz parte de situações mais sutis e complexas do que ela", afirma ele, que considera o livro uma forte metáfora que Chico Buarque escreveu para o Brasil contemporâneo. O mesmo tema (um homem que não se sente bem em seu meio) foi retomado com "Benjamim" (1995). Novamente, Chico Buarque fez da própria escrita o seu material, criando uma intrincada estrutura da narrativa, em que uma história é contada simultaneamente no presente e no passado. Trata-se da história de um homem, Benjamim, que descobre em uma bela jovem, Ariela, os mesmos traços de uma mulher que o deixou apaixonado nos anos 1960, a rica Castana Beatriz. As duas épocas se cruzam ao longo da narrativa, criando um quebra-cabeça em que cada nova peça acaba negando o dado anterior - o presente e o passado correm em paralelo. A linguagem é cinematográfica e o próprio autor, na época do lançamento, reconheceu uma certa influência da nouvelle vague na forma de narrar. Mesmo assim, parte da crítica não se sentiu seduzida pelo jogo proposto por Chico Buarque e considerou "Benjamim" sua obra menor. Fantasma - O habilidoso jogo de palavras voltou no ano passado, com a publicação de "Budapeste". É a história de um ghost-writer, ou seja, alguém que escreve o que outras pessoas assinam, artigos para jornal, autobiografias e até poesia. Um autor anônimo, porém, brilhante. José Costa é o ghost-writer que, certo dia, é convidado a comparecer, em Melbourne, na Austrália, a um congresso internacional de escritores anônimos. Por conta de problemas no vôo, fica retido em Budapeste. A capital da Hungria o fascina, especialmente a língua. Lá, começa a perder a própria identidade ao imaginar ter perdido o sotaque, transformando-se em Zsoze Kósta. Novamente, Chico Buarque volta a brincar com as palavras e, ao utilizar um personagem que vive da escrita, faz com "Budapeste" se transforme em seu texto mais autoral.

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