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Um encontro memorável

Por João Marcos Coelho
Atualização:

Uma Eroica memorável, em uma notável e inesquecível aula de regência. Foi o que o excelente público presente no cinzento fim de tarde de domingo na Sala São Paulo teve o privilégio de compartilhar com o maestro Lorin Maazel, em grande forma aos 81 anos de idade. Enquanto assistia ao maestro exercendo um em sua plenitude a arte da regência comandando os cerca de 60 músicos no palco, lembrei-me da resposta do violinista inglês Nigel Kennedy a um jornalista que três anos atrás perguntou-lhe se considerava a regência uma arte: "Por que alguém ficaria no pódio agitando uma batuta se pudesse tocar um instrumento?" Na ocasião, Kennedy estava em guerra contra os maestros superstars egocêntricos, mais interessados em dinheiro e prestígio do que em desenvolver uma autêntica relação musical com a orquestra.Sim, apesar do mercenarismo e dos egos infladíssimos, a regência é mesmo uma arte. E, quando praticada no nível que Maazel demonstrou no último domingo, é de fato algo miraculoso. A elegância dos gestos, a precisão nas indicações, os momentos em que, mão esquerda apoiada no pódio, usava a batuta praticamente como uma espada apontando as entradas. Além disso, a concepção justa dos tempos de cada andamento da Sinfonia Eroica (que substituiu a Quinta com vantagens, apesar de vários "ahs" e "ohs" espoucarem na plateia que viera para curtir as batidas do destino). E, acima de tudo isso, o modo como os 33 titulares e as restantes três dezenas de cachezistas ficaram galvanizados com o magnetismo e a musicalidade de Maazel (não tenho certeza sobre a quantidade exata de músicos no palco, pois de onde estava não conseguia sequer ver as mãos da pianista nem tinha condições de vê-los todos). Aos efetivos, ele mostrou que a orquestra precisa acabar com o imbróglio de uma vez, acordar de sua letargia e concentrar-se no que os músicos obviamente devem saber fazer: música. Quanto aos frilas que ali estavam só para faturar um extra, embarcaram felizes e empenhados numa empolgante "trip" beethoveniana - apesar de as trompas e madeiras claudicarem em momentos cruciais, como o scherzo. Pena que os doze estrangeiros que passaram no concurso de preenchimento de vagas tenham de aguardar a douta pesquisa do senhor ministro do Trabalho, que deve estar por aí no território brasileiro procurando o que qualificou como "similares nacionais" - se não os encontrar, os 12 poderão ser efetivados, num surrealismo atroz.Portanto, este não foi o primeiro concerto da OSB em São Paulo e eventual sinal de seu renascimento das cinzas; foi apenas o memorável encontro de um maestro extraordinário com um grupo de músicos que se seduziu por sua arte. Para renascer, a orquestra precisa fazer um concerto de excelência com seu maestro titular.A primeira parte mostrou uma abertura Egmont já no bom caminho, mas ainda meio sonolenta, distante do padrão de execução da Eroica na segunda parte. Foi correta a participação da pianista ucraniana Valentina Lisitsa no concerto nº 3.

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