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Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Um eclipse com os índios

Já dormíamos quando fomos acordados por Pembkui, todos dizendo que Katire (a Lua) havia morrido!

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Atualização:

Elipse vem do grego – ékleipsis – e significa a ação de abandonar ou um desaparecimento.  Testemunhamos uma eclipse lunar no dia 15, com ápice na madrugada do dia 16. Jamais havia experimentado um eclipse lunar até o ano de 1961 quando, em 26 de agosto, meu companheiro Julio Cezar Melatti (hoje professor emérito da Universidade de Brasília) e eu – ambos na casa dos vinte anos – éramos iniciados no trabalho de pesquisa antropológica e sérios, mas inocentes, tentávamos compreender o estilo de vida de 17 “índios” regionalmente chamados de Gaviões, um grupo de língua Jê-Timbira, em plena Amazônia paraense. A Wikipédia informa que “o eclipse lunar de 26 de agosto de 1961 foi parcial, o segundo e último de dois eclipses lunares do ano. Teve magnitude penumbral de 1,9330 e umbral de 0,9863 e duração de 186 minutos”. Foi, continua o texto, um eclipse parcial e com 99% da Lua na sombra. Foi também um evento memorável, pois coincidiu com o ponto mais próximo da Terra, deixando a Lua Cheia cerca de 14% maior. Ou seja, o eclipse parcial se deu com uma Super Lua.”.

A lua é vista durante um eclipse lunar total no Rio de Janeiro. Foto: Pilar Olivares/ Reuters

Tal é a pré-apresentação “científica” do fenômeno. Eis, entretanto o que eu ouvi dos nativos e transcrevi no meu diário de campo:  “A outra grande experiência foi um eclipse total da Lua. Já estávamos dormindo, quando fomos acordados por Pembkui, todos dizendo que Katire (a Lua) havia morrido! Quando ela chegou na minha rede, falou em tom patético: ‘Lua morreu!’. Imediatamente me levantei e comentei com os homens que, ao que parece, esperavam a minha opinião.” Quando notaram que eu concordava, Apororenum e Kaututere saíram de casa e, ao lado dos outros, com achas de lenha, cujas pontas estavam em brasas, cantavam e oscilavam os braços em direção à Lua. Eram canções que chamavam a Lua zangada de volta. Quando tudo acabou, Kaututere prometeu caçar para Katire muito porco, veado, anta e outros animais... Apororenum explicou que, se a Lua morresse, tudo morreria, pois, no escuro, sem Sol e Lua, eles iriam comer gravetos. O fogo não ia acender e não haveria caça, porque, sem luz, nós ficamos igual à megaron (alma dos mortos). Hoje, vou me aprofundar mais. O fato é que foi uma experiência fabulosa. Fomos dormir e acordei novamente, desta vez com o maracá e a cantiga de Apororenum. Hoje vou caçar para Katire”. Eis aqui, num texto telegráfico, duas visões de um eclipse e um exemplo de como o humano engloba tudo entre os “índios”.

Opinião por Roberto DaMatta
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