Um dia de rock e Zé do Caixão fashion

Grandes momentos: Marcelle Bittar lidera banda de rock das tops no desfile de Lourenzo Merllino na Pinacoteca, e a moda masculina de Herchcovitch inspirada no cinema trash de Zé do Caixão

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Por Agencia Estado
Atualização:

Nossa, que calor! O espaço escolhido por Lorenzo Merlino para mostrar sua coleção outono-inverno não poderia ter sido mais senegalesco. Na Pinacoteca do Estado, no Jardim da Luz, o teto era vazado, o sol entrava com tudo e cozinhava todos os fashionistas, como em uma enorme estufa. Mas, sem reclamação, porque todo mundo tratou de se abanar com os releases (aliás, uma bela função para a papelada que nos é entregue a cada novo show). Como foi? Foi bom. Muito bom. Lorenzo foi esperto colocando o garoto propaganda Sebastian (talvez a persona publicitária mais forte desde o garoto Bom Bril) anuncinado: ?C&A apresenta Lorenzo Merlino?. E daí entraram modelos que aproveitaram os instrumentos musicais a disposição no palquinho para improvisar uma banda de rock fake e dublar a trilha sonora (Pinacoteca do Chacrinha?). Na seqüência, sem som, elas desfilavam os modelitos. A coleção é bastante pessoal e tem assinatura. Melhores momentos: o top franjado feito de fitas cassete (sim, um efeito de passarela, mas ótima idéia para uma noite endiabrada) e o legging calça, com bolsos fofinhos. É um inveno jovem e ousado, para as ?minas de Sampa?, como diz Rita Lee em uma das canções escolhidas para abrir os desfiles da temporada. Daí, rapidinho para a Bienal, bem antes da chuva travar o trânsito e dificultar a vida de quem queria dar um close na SPFW. E o que vimos? O desfile masculino de Fause Haten. Uma apresentação 100% gay. Atenção: não se trata de uma crítica, apenas uma constatação. Afinal, o estilo de Fause Haten para os homens é francamente espalhafatoso. Daí que seu target não é o metrossexual (alguém realmente acredita que essa tribo existe?), é o gay urbano bem informado ? fashionisticamente falando ? que deseja um figurino bacana que reflita sua opção sexual sem afetação ou caricatura. E Fause foi muito correto propondo um inverno bem Tokio Ga, filme fetiche anos 80, sombrio como uma graphic novel ou mangá japonês. O styling do mestre Paulo Martinez foi direto e preciso na composição de calças com estampas de caracteres nipônicos e jeans délavé, com sóbrios blazers negros. Sim, aqui também a passarela escureceu. E, seguindo uma tendência do evento, o patrocinador foi devidamente ?citado? em camisas que utilizavam as setas do logotipo da Fedex. Muito fofo o pull de tricô azul com um personagem de mangá desenhada com pesponto branco. E deliciosos os mantôs de tricô. As lavagens dos jeans são dez e inconfudivelmente Fause Haten em sua exuberância de estampas ?cheguei?. No encerramento, todos os rapazes de cueca em uma apresentação da linha underwear da marca. E sem essa de GLS porque rótulos politicamente corretos são coisa do século passado. Agora atenção: se você foi um péssimo aluno de física, química, matemática e biologia, nem tente entender o que está escrito no release do estilista Jefferson Kulig. Ele fala de tenologia, laboratórios e Nasa. Dore de cabeça total. Melhor ver o que rola na passarela. E, a princípio, é tudo muito estranho. Tecido emborrachado se sobrepondo em camadas sobre o corpo das modelos (parece vitrine de loja tradicional de tecidos). Mas depois a coisa desenvolve, mesmo com as modelos em atitude robótica. Essa mulher de Kulig é plugada em um futuro ainda não muito explorado. Ele pensa as roupas enquanto função de sobrevivência, conectado com a anatomia e outras funções orgânicas. Seus bodies são cheios de tiras, como se fossem fios prontos a serem ligados em algum cérebro eletrônico dominante. É minimal ao extremo, apenas variando na cor: branco, off white, pele, azul desmaiado e, claro, preto. Roupa com cara de roupa mesmo, só os mantôs estruturadíssimos e solenes. Jefferson, pelo menos no trabalho, parece não ter um pingo de senso de humor. Mas a vida é matreira e quando ele propõe bodies adesivos com estampa de músculos ? corpos dissecados em movimento ? ele tem a idéia de acoplar nas modelos um aparelho que emite o som desses músculos sendo trabalhados. A trilha sonora eletrônica some e tudo é substituído pelas engenhocas fazendo tuiiiiinnnns, póóóiiiiins e nhóóóis hilariantes. As modelos não se contêm e caem na risada. A gente ri junto e aplaude. Moda, com certeza, faz parte da moderna teoria do ?pão & circo?. É estranho, esquisito, mas não tolo. Desfile pra pensar em casa, antes de dormir. Pulamos para a viagem ?vestido de baile? de Marcelo Quadros. E aí encontramos uma das vicissitudes da vida de fashionista: a assessoria de imprensa nos joga na fila B, atrás de uma câmera de TV e com visibilidade prejudicada. Porém, por um acaso do destino, sentamos do lado de Bianca Exótica, uma das criaturas da noite de São Paulo. E ela comenta como quem não quer nada: ?Sou de Brueri. Moro perto do outlet da Daslu. Acho chic?. E quando os primeiros acordes da trilha sonora nos atingem: ?Nossa, que música de drag queen?. Ok, não foi um desfile de roupas para drag queens, mas roupas habillé com um pé no caricato. Mesmo apostando no high low (vestidos de baile brilhosos sobre camisetas regatas descompromissadas), o resultado geral ficou meio fora de lugar. Não era nem luxo, nem lixo. Brilha, mas não tem peso. Parou no meio termo. E estamos conversados. Daí, o grande momento do dia: a coleção masculina de Alexandre Herchcovitch. O clima foi dado por três telões exibindo imagens dos filmes que compõem a trilogia do cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão: Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, À Meia-Noite Levarei Tua Alma e O Despertar da Besta. Obras-primas de terror trash ou ?estética da fome? como definiu Glauber Rocha. Por isso o homem de Herchcovitch usa muito preto e vermelho, as cores da Pomba Gira (aliás ele reeditou sua camiseta ?Pomba Gira? para a coleção). As calças alfaiataria são impecáveis e as jaquetas peludas irresistíveis. Dois grandes momentos: o agasalho com estampa de caveira no capuz (todo mundo em pânico?) e o blazer pelerine lembrando a capa do soturno Zé. Nas cores, destaque para o cinza cemitério e o verde fluo sobrenatural. E não dá pra ficar indiferente diante do mantô capa, capaz de fazer inveja a Darth Vader. O que dizer da Uma? Muito preto e muito brilho em peças usáveis (bermudas, blazers, jaquetas, vestidos, regatas...) e de fácil comercialização. Moda e estilo vão muito além disso. E amanhã acaba. Não perca o próximo capítulo. Veja galeria do SPFW

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