Um Bob Dylan muito especial, segundo Todd Haynes

Diretor escapa da cinebiografia convencional para retratar a vida, tempo e obra do artista

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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I'm Not There é o inventivo falso documentário de Todd Haynes sobre Bob Dylan. Como Dylan é um ser mutante, a solução de Haynes foi fragmentá-lo em seis personagens, alguns bem surpreendentes. Funciona bem, depois que você se acostuma. A trilha é toda de Dylan, lui-même. E o filme tem momentos brilhantes, um deles lembrando o ambiente onírico de Fellini, havendo mesmo uma citação de Nino Rota, de Casanova. O falso doc explode em várias direções, inclusive com material de arquivo, de época, sobre a história e a política dos anos 60, mas parece que faltou síntese e firmeza no bisturi na hora de concluir. Fica girando um pouco em falso, indo e vindo. Mas permanecem na memória os momentos de brilho e a visão nada careta de um grande artista.   Representar Bob Dylan assustou Cate Blanchett, diz diretor   As "personas" de Bob são desdobradas em figuras como Arthur, Woody, Jack, Robbie, Jude, Pastor John e Billy, e interpretadas por gente como Richard Gere e, sim, Cate Blanchett, no papel de Jude, representante do lado dândi de Dylan. Haynes justifica seu projeto dizendo que, goste-se ou não de Dylan, ele é um marco incontornável da modernidade. E que, para fazer o filme, embora autorizado, nunca conseguiu encontrar-se pessoalmente com Bob Dylan. As letras das canções serviram como uma espécie de itinerário intelectual e emocional do artista.   Já o taiwanês Lee Kang Sheng apresentou o até agora mais radical filme da competição em Veneza - Bangbang wo Aishen, traduzido como Help me, Eros. E o filme é mesmo uma tremenda pedida de ajuda ao deus do amor. Amor, seja lá o que isso significa, sendo a busca desse sentido uma das perguntas desse filme desesperado, às vezes francamente desagradável, mas que não sai da cabeça depois de visto. Um tema para pensar: por que motivo a sensação maior de fragmentação da vida contemporânea está vindo do Oriente, e através do cinema? Parecem sentir os efeitos de uma desrepressão total, sofrida, terminal e que se expressa em linguagem asséptica, de beleza fria, cheia de neon e gadgets eletrônicos mediando a vida das pessoas. E uma sexualidade que sempre flerta com a perversão... e com a morte.   Entre os personagens desse filme-limite há um operador de Bolsa que perde tudo e começa a se envolver com as garotas que trabalham de microssaia embaixo do seu edifício. Outro, homossexual, faz comidas deliciosas para engordar cada vez mais sua já obsesa esposa. Esta, insatisfeita sexualmente, olha cobiçosa para a criação de enguias do marido... e mais não se pode dizer. O efeito sobre a platéia (de jornalistas) foi devastador: mais da metade saiu. Quem ficou, não aplaudiu. Mas filmes de alta octanagem raramente são reconhecidos de imediato. Precisam de tempo e distanciamento.

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