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Um belo papel para uma estrela na melhor idade

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

François Ozon é o mais prolífico diretor de sua geração, mas nem isso explica a overdose de seus filmes nos cinemas brasileiros. É muito mais um fenômeno de distribuição, que faz com que O Refúgio, Ricky e agora Potiche, com o subtítulo de Esposa Troféu, estejam saindo um atrás do outro. Ozon é gay assumido e esse pode ser um detalhe supérfluo, mas, enfim, é o fim de semana da grande parada da diversidade em São Paulo. Na tradição dos grandes autores de Hollywood, um George Cukor, Ozon ama as mulheres. A protagonista de O Refúgio não tem o instinto da maternidade, a mãe - de um filho tão especial quanto Ricky - busca manter a família unida na adversidade e Catherine Deneuve experimenta uma radical transformação em Potiche. O tempo passou - até para a bela da tarde. Na abertura de Potiche, Catherine é uma dondoca. Mulher de Fabrice Luchini, ela cedeu o controle da firma para o marido e agora reina no lar. Trinados de passarinhos nos galhos das árvores, madame pratica jogging. O marido sofre um enfarte. Para surpresa de todos - da filha, principalmente -, Catherine reassume o controle dos negócios, e numa época de crise. Sai-se surpreendentemente bem. No fim, essa nova mulher está pronta para conquistar o mundo, mas antes disso, uma carreira na política ameaça fazer dela... Madame presidente? Ozon situa a ação de seu filme no fim dos anos 1970, numa era de afirmação do feminismo. A história trata de família, o tema, embutido, é a sexualidade. São muitos os signos de Potiche, incluindo o filho que sai do armário (e com quem), mas esse é só um piscar de olhos cúmplice do diretor com seu público. Existem, como se diz, "camadas". Elas abarcam o próprio cinema. Um dos prazeres de Potiche é o reencontro que o filme proporciona entre Catherine e Gérard Depardieu, quase 30 anos depois de A Mulher do Lado, de François Truffaut. Ele faz o líder sindical que, no passado, teve um affair com a filha do patrão. Ela já era uma bela da tarde insaciável e o reencontro, agora, na cena da discoteca, carrega nas referências para os cinéfilos. Quando Depardieu abandona Deneuve na estrada, surge um caminhoneiro muito especial - interpretado por um ator "latino" que virou encarnação do "amante" no cinema da França. Como sempre, Ozon obstina-se em provar que não existem amores felizes. Il n"y a pas amours heureux, nunca houve para ele. A trajetória de Catherine Deneuve se faz contra as personagens de O Refúgio e Ricky. O filme mistura gêneros - musical, sim - e a reconstituição de época propõe desafios específicos (no rumo de uma estilização cênica). Num encontro com o repórter em Paris, após o Festival de Cannes, o diretor confidenciou que sua convivência com Catherine Deneuve foi muito mais fácil do que em 8 Mulheres. Lá, Deneuve disputava as atenções com outras sete estrelas. Aqui, é única. Na França, o público viajou na história e Potiche foi um grande sucesso. Não há por que imaginar que não poderá repetir o êxito no Brasil. Ozon homenageia Truffaut. O amor da mulher do lado, dividido entre o gesto impulsivo e a palavra consciente, é agora uma fênix. Na terceira (melhor?) idade, Catherine descobre que o poder não é propriamente um afrodisíaco, mas lhe confere serenidade. É um grande papel, num belo filme.

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