Um Béjart inédito, com a nossa Márcia Haydée

A bailarina brasileira de fama internacional fará o papel principal em A Madre Teresa e as Crianças do Mundo, que o coreógrafo de 75 anos criou inspirado na vida da religiosa e com estréia mundial marcada para o mês que vem

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

A figura de Madre Teresa de Calcutá, uma mulher que dedicou sua vida para cuidar de pessoas pobres na Índia, foi inspiração para a nova coreografia de Maurice Béjart, que estréia no dia 18 de outubro, no Théâtre de Beaulieu, em Lausanne, na Suíça. A coreografia, A Madre Teresa e as Crianças do Mundo, marca a estréia de uma nova companhia, batizada apenas de M, e conta com a presença da veterana bailarina brasileira Márcia Haydée no papel-título. Béjart, aos 75 anos, está animado com o novo projeto. A Companhia M conta com a presença de 20 bailarinos que concluíram o curso na Rudra, filha da antiga Escola Mudra, que fez história na dança moderna mundial e recebeu alunos importantes como Anne Teresa Keersmaeker, Maguy Marin e a brasileira Célia Gouvêa, entre outros nomes de destaque. A criação do novo grupo será mantida com recursos vindos da Fundação Béjart. A nova companhia amplia as oportunidades de trabalho para os jovens artistas, uma vez que a companhia Béjart Ballet Lausanne se limita à contratação de apenas três recém-formados por ano. O veterano coreógrafo segue os passos de outro consagrado nome da dança, Jíri Kylián, criador de três companhias para o Nederlands Dans Theater: a principal, a composta por jovens e a dos veteranos. "Béjart está muito animado com essa nova formação. É empolgante ver um homem, aos 75 anos, com pique para iniciar um novo projeto como esse", diz Márcia. "Ele está eufórico, renovado e eu lisonjeada por participar de um momento tão importante na vida de um artista como ele." Márcia conta que o convite de Béjart a surpreendeu. Com a atenção voltada para projetos ligados ao teatro dançado, que mesclam dança com texto, e normalmente em parceria com outro bailarino brasileiro, Ismael Ivo, com quem já atuou nas peças Tristão e Isolda e Édipo Rei, Márcia estava longe da dança propriamente dita. "Recebi uma ligação de Béjart e ele estava cheio de idéias. Contou que queria fazer um espetáculo sobre Madre Teresa com bailarinos na faixa etária de 15 a 18 anos. Aceitei na hora." Os ensaios começaram no início de setembro. "Eu estava distante do balé havia um certo tempo, por conta da idade, mas creio que a técnica ainda fica presente em nós, além do mais, esse é um espetáculo de dança moderna, bem à moda de Béjart." Para compor sua personagem, Márcia assistiu a alguns filmes, como La Voce Humana, de Rosselini, com Anna Magnani interpretando uma mulher à beira da loucura, que no decorrer da trama se transforma em Madre Teresa. "Não costumo me preparar muito antes de um espetáculo. Entro aberta para seguir as ordens do coreógrafo. Ainda não tenho idéia do resultado dessa coreografia, sei que Béjart é um excelente artista, sensível às características de cada intérprete, fico absolutamente tranqüila com aquilo que ele preparou para mim." A veterana bailarina também assumiu o projeto de peito aberto, mesmo ao encarar o desafio de dançar com uma companhia tão jovem. "Não importa a idade, todos eles são profissionais, pelo menos é assim que eu os vejo, e a relação entre nós será madura." A companhia estréia em outubro e já possui uma agenda cheia, com apresentações previstas para Rússia, Índia e Japão. "Gostaria de dançar no Brasil, mas isso depende dos empresários brasileiros." Márcia Haydée Salaverry Pereira da Silva é um mito da dança mundial. Era uma das partners prediletas de Rudolf Nureiev, que costumava declarar: "Depois de Margot Fonteyn, Márcia é a minha bailarina preferida." Também dançou uma coreografia inspirada em Tennessee Williams, Um Bonde Chamado Desejo, ao lado de John Neumaier. Ela nasceu em 18 de abril de 1935, em Niterói. A paixão pela dança começou muito cedo. Aos 3 anos de idade deu os primeiros passos nas aulas de balé com o professor Vaslav Veltchek. Por oito anos consecutivos aprendeu as técnicas com o mestre. Preconceitos - Aos 15 anos, foi estudar no Royal Ballet de Londres. Lá precisou demonstrar garra e dedicação. Considerada gorda e sem técnica, Márcia treinou arduamente para conseguir se formar. Depois de três anos, ao superar a balança e os preconceitos, foi para a França. Uma artista segura, forte, paciente e disciplinada. Em Paris, precisou batalhar por oito meses para conseguir ingressar no Grand Ballet do Marquês Cuevas, onde atuou por dois anos no corpo de baile e mais dois como solista. Nos idos de 1960, deu o passo mais importante de sua carreira, uniu seu talento ao do coreógrafo sul-africano John Cranko. Cranko, convidado para dirigir o Sttutgart Ballet, na Alemanha, após assumir convidou a bailarina, que em poucos meses se tornou a primeira-bailarina de um dos mais importantes balés do período. Ele elaborou coreografias especialmente para ela, como Romeu e Julieta e A Megera Domada. Sua maneira de dançar é especial. Márcia executava com perfeição tanto o clássico, como Gisele e Copélia, até coreografias mais soltas, como A Megera Domada, que exige humor do intérprete. No palco, ela atua com tal intensidade dramática que passou a ser chamada de "Maria Callas do balé". Após a morte de Cranko, assumiu a direção Sttutgart Ballet, onde ficou até 1996, quando prometeu abandonar as sapatilhas. Mas, para o deleite do público, a promessa não se cumpriu. Criador - Maurice Béjart é um capítulo à parte na história da dança. Após abandonar a carreira universitária pelo palco, também sofreu no início de sua carreira, até chegar ao sucesso. Percorreu teatros franceses e ingleses. Conheceu muito bem os balés de repertório e a tradição russa. A grande virada ocorreu em 1955 ao descobrir a música concreta. Graças a Pierre Schaeffer, conheceu uma nova estética e pôde desenvolver novas técnicas. Em Sinfonia para um Homem Só, rompe com o seu passado. A partir desse trabalho, tutus são substituídos por collants. Anos mais tarde, a convite de Maurice Huysman, diretor do Teatro de La Monnaine, cria A Sagração da Primavera, com uma nova linguagem. Coreografias contestam o método tradicional. Béjart foi o responsável pela popularização da dança, trouxe à cena gestos teatralizados, que caíram logo no gosto do público. Tinha um talento especial para captar as tendências do século em que vivia e em 1960, quando teve oportunidade de criar a própria companhia, em Bruxelas, não teve dúvidas e a chamou de Balé do Século 20. Além de ser autor de mais de 200 coreográfias, Béjart não é apenas coreógrafo e diretor do Béjart Ballet Lausanne. Escreveu romances, dois livros de memórias, criou óperas, fez filmes. Para ele, todavia, tudo gira sempre em torno da dança.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.