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Um antiturista francês desenha o Rio

Por Agencia Estado
Atualização:

O cartunista francês Jano (codinome de Jean Le Guay), de 45 anos, passou 50 dias perambulando pelo Rio de Janeiro para fazer um caderno de viagem com desenhos da cidade. Passeou pelo Catete, Santa Tereza, assistiu a um Fla x Flu no Maracanã, foi à Praça 15, à Floresta da Tijuca. "Primeiro eu fotografo os detalhes, a cena arquitetônica e os objetos, para depois desenhar", disse o cartunista, nesta quinta-feira, pouco antes de embarcar de volta para Paris. "A foto me serve de documentação, mas eu não sou exatamente um fotógrafo". O álbum será publicado simultaneamente no Brasil e na França, em junho. No Brasil, o projeto Caderno de Viagem é da Casa 21 (organizadora do Festival Internacional de Quadrinhos) e da Sinapse Projeto Cultural. Na França, o livro será publicado pela Albin Michel. O projeto tem patrocínio da Prefeitura do Rio, do Pró-Cardíaco e apoio do Consulado Geral da França do Rio de Janeiro. Mas não pensem que Jano é um mero turista em busca de cartões postais. Pelo contrário: é o antiturista por excelência. Ele já tinha redescoberto a cidade mais vista do mundo, Paris, num álbum magnífico também da Albin Michel, Paname, publicado em 1997. Velho conhecido dos leitores da Metal Hurlant e L´Echo des Savanes, duas bíblias dos amantes de quadrinhos, Jano persegue a diferença em seus desenhos. Em Paname, os junkies, os sem-teto parisienses, os encontros ocasionais na rua a rua molhada, a loja dos imigrantes são os personagens. "No Rio, eu segui a mesma estrutura", contou o artista. "Olhei com mais atenção para coisas triviais da vida cotidiana, tentando ver o Rio com a visão do carioca, sem os vícios do turista", ele contou. "O Rio tem muito humor e sutileza." Em geral, os personagens de Jano têm cara de rato e o aspecto não é muito realista. Mas eles vivem em cidades "reais", com esquinas reconhecíveis e bares originais. O autor é um andarilho contumaz: já esteve na Índia e na África fazendo ilustrações. Jano é um ícone do underground francês (o Angeli deles). Além de fazer álbuns maravilhosos, também toca gaita na banda de desenhistas franceses Les Hommes du President (que inclui feras como Margerin, Berberien, Guilhemin e Jean Claude Denin). Ele lembra que começou a desenhar aos 16 anos. Tinha visto um cartum de Robert Crumb. "Levei um choque, nunca tinha visto tanto sexo e drogas num gibi", disse. "Não havia isso em Asterix e nos quadrinhos franceses." O cartum underground tornou-se sua maior influência, principalmente os Freak Brothers de Gilbert Shelton. "Mas tive também influência, é óbvio, do Tintin de Hergé." As andanças de Jano pelo Rio animaram o jornalista Eduardo Souza Lima a realizar um documentário sobre o trabalho do cartunista. Ele produziu cerca de 30 horas de gravação, que transformará em um vídeo de 26 minutos. Também haverá uma exposição das 30 pranchas do livro de Jano no Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, em Santa Tereza. Para o editor brasileiro do álbum, Roberto Ribeiro, Jano é uma espécie de Rugendas ou Spix moderno, retomando uma tradição do tempo das grandes descobertas marítimas. "Jano insere-se no prolongamento dos grandes mestres da pintura dos séculos passados que viajavam pelo mundo descrevendo personagens e cenas urbanas", afirma. O projeto Cadernos de Viagem não pára com Jano. O próximo desenhista internacional que virá ao Brasil para desenhar uma cidade é o espanhol Miguelanxo Prado, um dos grandes artistas europeus da atualidade. Ele vai recriar Belo Horizonte. Prado vive em La Coruña, na Galícia, e é autor de uma versão formidável de Pedro e o Lobo, que retoma o ritmo clássico de Prokofiev.

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