Ulisses do terceiro mundo em estrada para Ythaca

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Por Luiz Zanin Oricchio
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Viagem. Cinema feito com intuição e pouca grana em que os diretores são os próprios intérpretes

 

 

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Dá para fazer um filme com R$ 2 mil? Dá para fazer até com menos: R$ 1.860, que foi o que os diretores de Estrada para Ythaca garantiram ter gastado na produção do seu road movie. Sim, os diretores - Luiz Pretti, Ricardo Pretti, Guto Parente e Pedro Diógenes - são os próprios intérpretes. Luiz e Ricardo são irmãos gêmeos; Guto e Pedro são primos. Um filme de família. Funciona lindamente.

Há uma ideia, alguns jovens com vontade de fazer cinema. "Tínhamos um carro, nele cabiam quatro pessoas, nós éramos quatro e quatro acabaram sendo os personagens", diz Pedro. Nos primeiros planos, vemos amigos num bar, bebendo e falando. Resolvem ir para Ythaca, em busca do quê? Talvez de uma imagem, de alguém que perderam.

No meio da viagem, uma citação explícita. Uma encruzilhada, com dois caminhos possíveis - um, pela direita, que leva ao cinema de aventuras; o outro, pela esquerda, que conduz ao cinema do Terceiro Mundo, "perigoso, divino e maravilhoso". A música de Caetano e Gil, que tem esses versos, é cantada. Claro, você reconheceu aqui a citação: ela está em Vento do Leste, um dos filmes radicais de Godard em sua fase do Grupo Dziga Vertov. O "ator", no filme de Godard, é ninguém menos que Glauber Rocha.

A citação não é gratuita. É quase um manifesto incrustado no meio de Estrada para Ythaca. "Fazemos uma opção pela esquerda, pelo cinema pobre, sujo, o cinema do Terceiro Mundo", diz Guto Parente. E aqui, se a referência explícita é a Glauber e Godard, a implícita é a Rogério Sganzerla que, em 1968, estreou com um objeto não-identificado, que descrevia como um "faroeste do Terceiro Mundo" - O Bandido da Luz Vermelha. As referências se sobrepõem - de Glauber, Godard e Sganzerla à mitologia e à Ythaca do poeta Konstantinos Kavafis. Os rapazes são, à sua maneira, seguidores do Ulisses mitológico. O filme constrói, em sua viagem, um processo de amadurecimento e de luto por um outro amigo, morto. Dessa viagem não há volta. Talento, intuição, boas fontes e um pouquinho de grana - e eis aí uma estreia promissora.

Não menos inventivo é o outro concorrente, o mexicano Alamar, de Pedro González Rubio, curioso mix de documentário e ficção. Um garoto, filho de mexicano e italiana, mora em Roma, mas vai passar uma temporada com o pai, que é pescador num atol, o santuário ecológico chamado Banco Chincorro. A simplicidade, o foco no trabalho cotidiano da pesca, visto pelos olhos de uma criança fazem o encanto deste filme. Sim, há lugar para a imaginação no cinema. As possibilidades do audiovisual são ilimitadas.

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