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Ubaldo diz que muda estilo em novo romance

Por Agencia Estado
Atualização:

A escrita de Diário do Farol exigiu que João Ubaldo Ribeiro modificasse seu estilo peculiar para dar mais verossimilhança ao relato de um clérigo. "Não sei se os leitores vão notar, mas muitos trechos não se parecem com a minha forma de escrever", comenta ele, na entrevista a seguir: Agência Estado - A crueldade do personagem de Diário de Farol chega a impressionar. Como você imaginou a figura do clérigo? João Ubaldo Ribeiro (rindo) - Realmente, ele é um psicopata. Mas não sei dizer a origem desse clérigo. Acho que aparece. Eu sempre tive uma mania de padre, talvez não haja nenhum romance meu em que um padre não apareça, pelo menos, como um figurante. E eu não sou anti-clerical, pelo contrário: sou sempre religioso e respeito a santidade de alguns padres que conheço e cuja castidade e honestidade não são discutíveis. Não fiz o livro com o objetivo de desmoralizar a Igreja, embora o noticiário atual mostre casos de padres acusados de abuso sexual. Só espero que não pensem que escrevi o romance a partir dessas notícias, pois, como já disse, não sei de onde surgiu a história. Você acredita em alguma reação negativa da Igreja? Acho possível, pois é um livro muito pesado. Ainda não reli o livro (na verdade, ainda não estou com vontade), mas acredito que possa haver alguma repercussão. Você diria que não é livro para leitores sem malícia, moralistas ou mesmo pudicos? É difícil dizer. Veja só, eu escrevi A Casa dos Budas Ditosos, que é um livro cheio de cenas consideradas pornográficas ou, no mínimo, eróticas, embora eu conheça livros que, em um certo sentido, são muito mais fortes que esse. Claro que houve pessoas que ficaram chocadíssimas, mas foi um livro de sucesso, vendendo 150 mil exemplares, o que é um número respeitável até no exterior. Diário do Farol é uma ficção e o que realmente me preocupa é a obra provocar uma reação semelhante ao Budas. Que tipo de reação? Tanto esse como aquele são livros escritos em primeira pessoa, em um tom confessional e, depois da publicação do Budas, muito freqüentemente eu era parado na rua por pessoas que me acusavam de ter dito isso ou feito aquilo. Mas é claro que não era eu quem assumia aquelas declarações. Sou diferente dos meus personagens. Por exemplo, eu acredito muito em Deus e o clérigo do Diário do Farol detesta. Trata-se de um personagem ficcional envolvido em uma história verossímil, pois aquilo que ele descreve aconteceu durante a ditatura e o que ele fez pode até perfeitamente ter ocorrido. "A esculhambação é uma espécie de pré-defesa contra o leitor e sua provável revolta" Poucas ou nenhuma vez você criou um personagem que se volta de forma tão violenta contra o leitor. Por quê? Acho que cabia no romance e foi uma das brincadeiras que fiz. Lógico que eu jamais insultaria meus leitores, mas achei que caberia nas memórias de um crápula desse tipo. A esculhambação é uma espécie de pré-defesa contra o leitor e sua provável revolta. Na verdade, eu quero fazer uma revelação a você. Apesar de não conseguir evitar meu próprio estilo, eu tentei dar um ar amadorístico ao romance para emprestar mais verossimilhança à idéia de que se trata do diário de alguém que não é escritor. Tanto que ele mesmo diz que não é um autor e, aproveitando para esculhambar também os escritores, nem encontra dificuldades para escrever. Então, eu coloquei uma série de palavras repetidas para dar um tom amadorístico à narrativa. De qualquer forma, meu estilo é notado, por exemplo, nos períodos longos. Eu só vejo um paralelo com esse livro, ainda que remoto, com Angústia, do Graciliano Ramos, que é também "dark". Mas claro que o meu é pior (risos). Para conseguir esse amadorismo no texto, você teve de reescrever muitos trechos? Não. Gosto de uma frase do Monteiro Lobato, que dizia que os erros de revisão desaparecem no momento em que os originais são entregues e que aparecem brilhantemente no momento em que se lê o livro publicado. Mas não faço nenhuma correção, mesmo quando abro algum dos meus livros e fico com vontade de remendar. Tenho vários amigos escritores que fazem isso e o extremo é Josué Montello, que publica uma edição revista. Eu não - já que saiu assim, que fique assim. Seus romances normalmente se abrem com epígrafes enigmáticas, mas, com mais atenção, percebe-se que essas sentenças são na verdade pistas de leitura. Como as escolhe? Eu mesmo as invento e realmente são pistas. Veja o caso do Diário do Farol: "Não se deve confiar em ninguém" resume a personalidade do personagem que vem a seguir. E eu as invento antes de escrever o romance. Na verdade, meu processo é sempre o mesmo: penso primeiro no título, depois na dedicatória, em seguida a epígrafe e aí começo a escrever o texto. Se não for dessa forma, não consigo.

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