TV paga exibe "evangelho" de Jece Valadão

Programa da série Retratos Brasileiros, do Canal Brasil, revê a trajetória do ator, que de cafajeste-mor do cinema brasileiro passou a pregador evangélico

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Por Agencia Estado
Atualização:

Foram mais de 60 anos de dias bem vividos e noites maldormidas. A definição (ou confissão) é do próprio Jece Valadão, em depoimento contado pelo diretor Joel Pizzini e seu assistente de direção e montador Marco Vale. Não vai ao ar na versão de O Evangelho Segundo Jece Valadão que o Canal Brasil exibe amanhã, na série dos Retratos Brasileiros. Um retrato muito especial, um tanto pelo personagem, mas também pelo próprio tratamento diferenciado que Pizzini dá a esses documentários com que o canal brasileiro da Net/Sky homenageia grandes personalidades do show biz e não só do cinema no País. Pizzini tem sido bem-sucedido na parceria com o Canal Brasil. Seu documentário sobre Leonardo Villar, também exibido na série dos Retratos, era ótimo. "Eles me dão toda liberdade de fazer o produto que eu quero; claro que, para veicular na TV, tenho de obedecer a certas normas de cinema narrativo que diferenciam esses trabalhos do restante da minha produção, mais autoral; mas não acho que eles deixem de levar minha assinatura." Para o fim de janeiro, Pizzini já anuncia outro retrato: o de Paulo José. "Está saindo muito interessante; o Paulo faz uma reflexão extraordinária, e com muita consistência teórica, do processo criativo no cinema, teatro e televisão." Com o escudeiro Vale a tiracolo, Pizzini trabalha em ritmo intenso no documentário sobre o ator de Todas as Mulheres do Mundo. Mas pára um pouco para mostrar o Evangelho e para falar sobre Jece. História curiosa a desse homem. Ele esculpiu uma persona pública que fez dele o cafajeste-mor, o número um do Brasil e não apenas no cinema. Jece Valadão criou na tela o personagem e o aprimorou na vida. "Só queria saber de dinheiro e mulheres", ele conta num depoimento. Mulheres, ele as teve e muitas. Conta que se casou cinco vezes e, fora essas, as mulheres oficiais, teve as amantes. Certa vez, divorciou-se e descobriu a vantagem de estar solteiro. Durante seis meses, foi todas as noites acompanhado para a cama e nunca com a mesma mulher. Quando resolveu repetir, não deu outra: casou-se de novo. Esse era o Jece cafajeste, devasso, como ele mesmo diz. Era, no passado. Pois Jece, você sabe, se converteu, virou evangélico. Daí o título do documentário de Pizzini, O Evangelho Segundo Jece Valadão. Só que o Jece que hoje prega contra o pecado e faz confissões públicas de arrependimento pela forma como tratava as mulheres no cinema e na vida - "Era machista, elas não passavam de objetos" -, pode rejeitar seu passado, mas não o esconde. Não é Roberto Carlos, que ganhou fama e fortuna com E Que Tudo o Mais Vá para o Inferno e hoje, convertido a Jesus, não permite que se toque a música mais representativa da Jovem Guarda. Jece não tenta negar o que foi ou fez. É um novo homem e, quando faz suas pregações, parte sempre de sua experiência para tentar tocar o coração das pessoas, sejam homens ou mulheres. Carta de intenções - Tudo começou (o documentário) quando Pizzini trabalhava no seu projeto sobre Glauce Rocha. Glauces, no plural, é maravilhoso. Aproximou Pizzini de Jece. Ele foi pedir ao produtor de Navalha na Carne a liberação do direito de usar a imagem de Glauce naquele filme. Conversaram, pode-se dizer que ficaram amigos. Quando viu Glauces, Jece ficou tão tocado que, no ato, topou um oferecimento que Pizzini lhe havia feito antes: por que não desenvolviam um projeto conjunto? Pizzini pediu - e Jece assinou - uma carta de intenções. De posse dela. negociou com o Canal Brasil e o resultado será exibido esta noite. O resultado, em termos. O Evangelho Segundo Jece Valadão tem um subtítulo: Versículo 1.º. O próprio Pizzini explica: "O que o público vai ver hoje é a ponta-de-lança de um projeto maior." Haverá outro Evangelho Segundo Jece Valadão. Será um longa, para cinema. "Estou inscrevendo-o nas leis de patrocínio para captação", diz o diretor. Desta vez, ele vai gravar os depoimentos de Jece em película e pretende ser menos tradicional do que no especial do Canal Brasil. "Quero fazer com que ele e os depoimentos interajam com cenas dos filmes." Não deixa de ser uma retomada de Glauces, só que lá, na impossibilidade de entrevistar a atriz, já morta, Pizzini revela a mulher por meio das personagens, num processo muito interessante. Pizzini e Vale divagam, pode-se dizer que deliram um pouco sobre como será esse Evangelho maior e mais longo: "Jece, como homem de cinema, ator, produtor e diretor, pertence a um tempo em que o Brasil era predominantemente católico e os filmes faziam muito sucesso; hoje, o cinema brasileiro briga por migalhas no próprio mercado, cinemas viraram templos, o Brasil está cada vez mais evangélico e a TV substituiu de vez os filmes como diversão popular." No Evangelho, cenas de Jece Valadão em A Idade da Terra ficam impressionantes. Tudo o que ele diz sobre religião ou Deus no filme de Glauber Rocha parece profético em relação à própria história. Jece conta como seu pai queria se converter e como ele sofreu ao ser impedido pela mulher, que não suportava a idéia. O próprio Jece terminou realizando o sonho de seu pai e não se arrepende: "Sou pobre, mas tenho a maior de todas as fortunas, que é a paz interior." Compara a atividade de pregação ao cinema. Seu público continua o mesmo, o povo humilde brasileiro. O convertido ainda tem seus momentos de cafajeste. Conta como teve todas as mulheres, menos uma, sua estrela em Os Cafajestes, que ele mesmo produziu (para Ruy Guerra dirigir). Quando Norma Bengell finalmente resolveu ceder - "É hoje, Jece" -, ele conta que não conseguiu e faz o eloqüente sinal com o indicador para baixo. E ri. Jece continua uma grande figura. E, se hoje faz sucesso como pregador religioso, é porque o público deve perceber: esse homem que fala de redenção não é nenhum teórico. Ele põe nas palavras sua experiência e seu coração. O Evangelho Segundo Jece Valadão. Direção de Joel Pizzini. Amanhã (20), às 20 horas, no Canal Brasil.

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