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TV exibe documentário sobre Juan Rulfo

Memórias Perdidas, dirigido pelo filho do escritor mexicano e premiado em vários festivais, será exibido nesta quarta pelo Cinemax

Por Agencia Estado
Atualização:

O escritor mexicano Juan Rulfo (1917-1986) escreveu uma obra curta, mas definitiva: um pequeno romance (Pedro Páramo) repleto de seres vivos e mortos e cuja secura descritiva e as sutis metáforas fantasmagóricas detonaram o que ficou conhecido como o realismo fantástico, um punhado de contos (O Planalto em Chamas) e alguns textos para cinema. Uma obra escassa, mas com palavras breves e contundentes. Seus escritos são saudados por outros autores, como o colombiano Gabriel García Márquez, que os apontam como definitivos para a literatura latino-americana. O filho do escritor, Juan Carlos Rulfo, não seguiu sua carreira, preferindo o cinema. E foi por meio das imagens que homenageou o pai no documentário Memórias Perdidas (Del Olvido al No Me Acuerdo), que o canal pago Cinemax (TVA/DirecTV) exibe nesta quarta-feira, às 20h45. O filme, produzido em 2000, foi uma maneira de Rulfo filho resgatar a memória de um certo Rulfo pai que julgava desconhecer. "Sempre estive mais próximo da figura dele como pai e não como escritor", conta Juan Carlos, em entrevista por telefone, da Cidade do México. "Este último sempre considerei como um personagem distante. Nunca tive nada com sua figura pública de autor." Nascido em 1964, o cineasta sempre viveu à margem do ofício do pai, ignorando até os importantes escritores que freqüentavam sua casa, como García Márquez, Eduardo Galeano, Carlos Fuentes e outros. "Sempre vivi à margem do mundo intelectual e gostava mesmo quando meu pai levava a mim e a meus irmãos para o campo, onde podíamos ter contato com animais e a vegetação." A morte do escritor, porém, surgiu-lhe como um detonador emotivo. Juan Carlos, que já se dedicava ao cinema, decidiu filmar no sul da região de Jalisco, onde o pai nasceu. "Tão logo me senti à vontade com a técnica cinematográfica, gravei várias entrevistas durante dois anos, entre 1986 e 1988", explica. "Foi um período em que descobri muitos personagens que tinham a ver com a vida de meu pai, alguns até viveram a Revolução Mexicana." Sem contar com um roteiro, o cineasta ouviu as pessoas de maneira espontânea. É o que explica a diversidade de depoimentos que marca Memórias Perdidas, em que se ouvem desde histórias até canções ou mesmo murmúrios incompreensíveis. A secura das imagens contrasta, muitas vezes, com histórias reluzentes, contadas de forma entusiasmada. Em nenhum momento, Juan Carlos pretendeu recuperar detalhadamente a figura paterna. "Quis apresentar, na verdade, algumas imagens e sons (musicais, principalmente), que marcaram a vida de meu pai", explica o diretor, que, com o documentário, recebeu prêmios em Málaga, Biarritz, Montreal, Havana, além do próprio México. Apesar de não se sentir influenciado pela obra literária do pai, Juan Carlos reconhece a importância para seu aprendizado das fotografias feitas por Juan Rulfo. Ao longo de 30 anos de sua vida, o escritor dedicou-se a um ambicioso projeto fotográfico, que almejava compreender históricamente e etnograficamente a complexa cultura mexicana, tendo como referências as contribuições das vanguardas artísticas e científicas. O trabalho começou na década de 30, quando Juan Rulfo decidiu percorrer o país com uma câmera fotográfica, ao mesmo tempo em que lia os principais historiadores e geógrafos mexicanos. Documentou as diversas formas de viver do país, registradas sob um olhar repleto de dignidade. O resultado são mais de 7 mil negativos, hoje acervo da Fundação Juan Rulfo, que os exibe em mostras itinerantes - no ano passado, o Memorial da América Latina exibiu 96 fotos. "Ele retratou o México em todas as suas formas, como igrejas, ruínas geométricas, troncos sobre as praias, homens que miram paisagens ou que buscam seu pai", conta Juan Carlos, cuja imagem mais remota da obra paterna são justamente as fotografias. "Eu ainda nem sabia ler e a primeira coisa que vi na vida foram suas fotos, que enchiam caixas. Guardo também a lembrança de vê-lo com a câmera na mão." Para Juan Carlos, a fotografia e a literatura completavam-se na obra de seu pai. "As fotos são muito mais concretas visualmente enquanto a literatura permite diversas interpretações, pois o leitor cria suas próprias imagens. Mas são nas fotografias que se percebe o caráter que Juan trazia em seu sentimento", explica. O cineasta acredita que o pai começou primeiro a ver que escrever. "Ele leu para aprender a ver e depois a escrever; por isso, a fotografia é um dos primeiros passos para se chegar ao entendimento de sua obra", comenta. "Suas atitudes em vida foram mais visuais que literárias, portanto as fotografias são aquilo mais próximo de Juan que hoje temos." Apesar da importância das imagens captadas pelo pai, Juan Carlos assegura que buscou uma linguagem própria ao realizar seu documentário. "Os traços comuns são justamente os momentos em que lhe presto uma homenagem", assegura o diretor que, curiosamente, buscou especializar-se como roteirista. Mas, talvez de forma inconsciente (afinal, não lhe interessava a carreira literária do pai), buscou os caminhos do cinema. "Não gosto quando dizem que, de uma certa maneira, estou continuando a obra de meu pai", conta Juan Carlos. "O que ele criou transcende o tempo e o nosso espaço mexicano." Em todo caso, em seus planos figura um projeto contemporâneo de resgatar os mitos e as lendas do México, começando pelos vulcões até chegar aos mares e desertos, cobrindo assim os quatro pontos cardeais. Serviço - Memórias Perdidas, direção Juan Carlos Rulfo. Quarta-feira, às 20h45. Cinemax (operadoras/ canais: TVA,64; DirecTV, 531).

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