27 de abril de 2010 | 00h00
Pode ser um capítulo romântico da biografia de Joseph Mallord William Turner (1775-1851), aquele em que o jovem teria ido às lágrimas ao vislumbrar uma tela do pintor do barroco francês Claude Lorrain e definido ali sua vocação.
Mas o fato é que com apenas 14 anos ele se matriculou na Royal Academy e, no ano seguinte, realizou a primeira exposição, início da trajetória como um dos mais expressivos paisagistas ingleses do primeiro instante moderno da arte.
A partir daí, o precoce artista tomaria como modelo não apenas a imagem campestre bucólica de Lorrain, mas igualmente a de outros notáveis da pintura de sua geração e das precedentes, procurando refinar-se e impor seu gosto.
É essa identificação pouco usual aos olhos do grande público que a exposição Turner e Seus Pintores quer ressaltar até 24 de maio, no Grand Palais, em Paris.
Na seleção de uma centena de obras, estão lado a lado trabalhos de referência do pintor inglês, de seus prediletos como Tiziano, Canaletto e Nicolas Poussin, e também de rivais artísticos do período, caso de Thomas Girtin e John Constable.
Marinhas. Turner é um nome associado a muitos epítetos. Mas o que se pretende na mostra, que já passou pela Tate, em Londres, e depois segue para o Museu do Prado, em Madri, é demonstrar o pintor-poeta ou o pintor da luz e suas marinhas tempestuosas como um atento e reverente seguidor até encontrar seu caminho.
E isso coincide, segundo historiadores e críticos como Giulio Carlo Argan, com um período de estímulo na Inglaterra à pintura figurativa de produção local, não mais dependente da arte assinada no continente e trazida à ilha pelos nobres.
Enquanto Turner praticava a aquarela e gravura na academia, Londres via nascer galerias, exposições públicas e um mercado atuante alimentado por mecenas e colecionadores.
Ambiente que propicia ao aluno descobertas fundamentais, entre elas as paisagens do mestre galês Richard Wilson, tão definidoras para ele como as de Lorrain, a quem dedicaria uma de suas obras-primas, O Declínio do Império de Cartago, de 1842. Com Rembrandt, a obra desses mestres revela ao jovem o classicismo de vertente italiana, holandesa e flamenga tão em voga.
A confrontação tem início justamente com a tela Vista do Lago de Nemi, pintada por Wilson em 1758 e inspiração quatro décadas depois para Eneias e a Sibila, Lago de Averne, um dos primeiros óleos de Turner.
É preciso se deter frente a essa e outras telas de Wilson, a gravuras de Piranesi e aquarelas do contemporâneo Girtin, para ter a dimensão do salto de originalidade protagonizado por Turner anos mais tarde.
Esse movimento tem como estímulo a primeira viagem do pintor ao continente em 1802. Turner visita o Louvre, descobre as cores renascentistas de Tiziano, que reverencia em Sagrada Família, e se encanta por Poussin, especialmente a tela Inverno (A Enchente), parte da monumental série das quatro estações.
A obra terá uma versão homônima por Turner também de largas proporções.
Nos anos seguintes, o pintor retribuirá outras descobertas, como no caso de Canaletto, quando visita a Itália. O significativo é que o faz sem se fixar nas duas poéticas artísticas de raiz romântica em vigor.
Entre o chamado "sublime", representação grandiosa e hostil da natureza, e seu diverso, o "pitoresco", que prega a ideia do agradável marcada pela imperfeição e não mais pela perspectiva clássica, Turner é tributário de ambas.
Borrões. Embora não assuma a estética pitoresca, como faz seu grande rival Constable, Turner simboliza-a nos borrões, ou manchas, como preferem os estudiosos, com que pinta suas marinhas, "grandes massas de luz e sombra" no dizer de Argan.
Este, em ensaio sobre o pintor na coletânea Arte Moderna na Europa - De Hogarth a Picasso, agora editado pela Companhia das Letras, defende que o artista não se posiciona e sim supera "as grandes correntes do século 18 (...), numa formulação tão nova e moderna (...) que poderá agir fortemente, um século ou quase mais tarde, sobre as posturas mais recentes da arte inglesa".
Sua análise é tanto mais acurada quando se verifica que Turner retomou, na fase final da carreira, o classicismo de Lorrain e o estilo das marinhas holandesas, como na magistral Tempestade de Neve, de 1842, obra já liberta dos traços dos mestres.
A julgar pelo que se testemunha na exposição, Argan talvez tenha sido até contido em sua previsão.
QUEM É
WILLIAM TURNER
PINTORINGLÊS
CV: O pintor romântico Joseph Mallord William Turner nasceu em Londres, em 1775, e morreu em Chelsea, em 1851. Tornou-se dos mais importantes nomes da Inglaterra. Dedicou-se, principalmente, à paisagens e suas obras mais significativas pertencem à National Gallery e à Tate, em Londres.
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