
10 de março de 2013 | 02h13
Faz tempo que a direção da Globo ensaia repetir algo como a novela que mais turistas russos atraiu para a costa brasileira - lá, foi batizada como Tropikanka. Agora, conta com a direção do esteta Jayme Monjardim, as cores precisas do HD e até um diretor de fotografia grifado no set, senhor Affonso Beato, que só fez aprimorar o azul do céu de Natal para que os aviões caça, da Força Aérea Brasileira (FAB), cruzassem as raras nuvens do pedaço.
É o próprio Negrão quem chama atenção para as coincidências em sua obra, durante nossa conversa, num flat onde ele escreve, em São Paulo: "Outro dia o meu filho disse: 'pai, não dá pra mudar o tempo em que os seus personagens ficam presos?' Em Despedida de Solteiro, eles ficavam sete anos no cárceres; em Vila Madalena, Edson Celulari ficava sete anos preso e agora o Henri vai ficar sete anos preso".
A personagem de Laura Cardoso, agora neta de cangaceiros e portadora de relíquias como um par de óculos de Lampião, é inspirada na Donana Sereno, personagem da mesma atriz de outra novela de Negrão, Pão Pão Beijo Beijo. E ele não omite nem as referências clássicas que deliberadamente pautam escritores menos dispostos a revelar suas fontes. Ao contrário, orgulha-se de dizer que sua Flor do Caribe tem um quê do Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, que garante à trama a dose de folhetim necessária à sua existência.
Folhetim é folhetim. Diante do espectador que hoje fragmenta sua atenção entre internet e celular, Negrão reconhece a necessidade de alcançar um ritmo mais acelerado do que o de 20 anos atrás. Mas, expert em novela das 6, sabe que tem uma plateia "flutuante" de jovens chegando da escola ou saindo para outras atividades. E, sobretudo, que o horário lhe reserva uma fatia maior que a da novela das 9 entre o público mais velho. Mas pergunte se ele tem pretensões de escrever novela das 9? "Não quero. Você ganha a mesma coisa, trabalha o dobro e tem três vezes mais responsabilidade. Gosto de fazer novela das 6 e minissérie".
Fazendeiro, amante do pé na terra, não é de frequentar Twitter ou Facebook, o que não quer dizer que não saiba fazer uso do retorno em tempo real que as redes sociais lhes propiciam. Uma coisa não muda entre a era da web, 3D, culto à linguagem seriada americana e os idos da televisão em preto e branco: é a essência do folhetim na telenovela.
"Sempre falo que você pode inovar o que quiser numa novela, mas se não mantiver um pé no folhetim, não dá certo." Seu exemplo clássico está num divisor de águas do gênero, Beto Rockfeller (Tupi, 1969). "Até o capítulo 30, Beto Rockfeller só causou estranhamento, mas não audiência", lembra. Cassiano Gabus Mendes então reuniu a equipe e fez com que o anti-herói vivido por Luiz Gustavo passasse a destinar o dinheiro conseguido em seus golpes ao pai (Jofre Soares), que estava desempregado, e a Vitório (Plínio Marcos), que tinha uma oficina mecânica em crise. "Virou um Robin Hood, e mais folhetim que Robin Hood, impossível", conclui.
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