Túnel do tempo

Nostalgia de quem tem de 35 a 40 anos é aposta dos grandes festivais

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Por Roberto Nascimento
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O gigabyte mais afetivo de um iPod guarda os sons da adolescência. Uma guitarra dilacerante, um vocal insubordinado, uma canção de amor pueril (Hendrix, Cobain, Alanis, no meu caso), madeleines musicais que ressuscitam o vendaval de sensações da época com uma escorregada de polegar, trazendo à tona o que o neurocientista Daniel J. Levitin, autor de A Música no Seu Cérebro, caracterizou, em entrevista recente ao New York Times, como "a fase mágica para o amadurecimento do gosto musical, a época em que o que você escuta vira sua insígnia pessoal". É desnecessário acentuar o valor deste transporte - ou do sabor do primeiro surto de rebeldia acompanhado de AC/DC, Rage Against the Machine ou Deep Purple - mas o anseio por este tipo de nostalgia explica o avalanche de bandas noventistas que invade o Brasil neste segundo semestre. Guns n" Roses, Red Hot Chili Peppers, Faith No More, Pearl Jam, Chris Cornell, do Soundgarden, 311 - são alguns dos nomes que tocam no Rock in Rio, no festival SWU ou em estádios nacionais nos próximos meses. O SWU acaba de confirmar Alice in Chains e Stone Temple Pilots, ídolos da mesma leva, seguindo a onda de apelo aos velhos tempos de quem amadureceu na primeira metade dos anos 90, quando o grunge, sonoridade comum entre muitas destas bandas, era a força motriz do rock comercial. As bandas são uma aposta segura em termos de rentabilidade, pois a faixa etária de 35 a 40 - se pensarmos em quem era adolescente quando o disco Nevermind, do Nirvana, marco zero do grunge comercial, foi lançado - tem situação financeira mais estável do que a da juventude recém-formada, de 25 aos 30, que não recebe mais mesada mas ainda pena para se firmar no mercado de trabalho. Portanto, os trintões devem garantir o grosso dos ingressos do festival, que custam de R$210 por dia a R$535 (não incluindo as áreas VIP) pelos três dias. "Existe um interesse renovado pelo grunge", conta o vocalista William DuVall, substituto de Layne Staley, que morreu em 2002, viciado em heroína. "Mas acho que isto é por conta da natureza cíclica da música pop, que se refaz de 20 em 20 anos. Nossa banda certamente se beneficia desta atenção, mas acho que não estaríamos fazendo turnês pelo mundo não fosse o nosso ímpeto de provar, noite após noite, que ainda conseguimos fazer um bom show", completa. Mesmo assim, a relevância de muitos destes nomes, quinze ou vinte anos depois de seus respectivos apogeus, deixa a desejar e a constelação de ex-estrelas a aportar no Brasil de setembro em diante traça um perfil inexpressivo da atual época áurea dos shows internacionais no País, em que a quantidade aumentou, mas a qualidade manteve a mesma proporção. Axl Rose, do Guns, que vem para o Rock in Rio, estagnou-se há anos e pouco fez além de presepadas quando esteve aqui em 2010. Faith No More, predecessores do rap metal na segunda metade dos anos 80, não lançam um disco há 14 anos. Chris Cornell acaba de reunir o Soundgarden, mas vem em turnê solo. Alice in Chains lançou um único trabalho depois da morte de Staley, elemento chave da banda. A lista é extensa e deixa o fã de rock insensível à onda de nostalgia grunge sem muitas opções, pois forma-se um abismo entre os veteranos e o line up ultra pop, este sim prenhe de nomes ressonantes como Jay-Z, Rihanna, Shakira, Katy Perry e Black Eyed Peas. Assim, mesmo com a profusão de talento que navega o circuito internacional, a disponibilidade de turnês devido à crise da indústria fonográfica e a quantidade de dinheiro que é investida nestes eventos, os megafestivais do Brasil continuam periféricos e dessincronizados com o rock atual. Há veteranos que sempre salvam o dia, como o Sonic Youth, padroeiros do art rock moderno, que vem a Paulínia (local do SWU). Chegam após o ótimo disco Demolished Thoughts, trabalho solo do guitarrista Thurston Moore. Mas Sonic Youth não é novidade no Brasil, assim como não é novidade o Stone Temple Pilots, que veio em dezembro. Como provaram Pixies e Queens of Stone Age em Itu, no ano passado, bandas antigas são capazes de roubar a cena. Isto deve ser reafirmado no festival Popload Gig, que fechou com o Primal Scream, heróis do indie noventista que tocam o influente Screamadelica, na íntegra, no final de setembro, e chegam após uma série de apresentações elogiadas. Mesmo assim, o Popload é uma formiga entre os outros dois gigantes, que por enquanto (nomes ainda serão confirmados) deixam o peso por conta de mestres acima de qualquer suspeita como Stevie Wonder e Neil Young. No mais compacto Terra, que acontece em novembro, a nostalgia fica por conta de Beady Eye, banda de Liam Gallagher. A atualidade é garantida por Strokes, que voltou à ativa este ano, Broken Social Scene e Interpol.

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