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Tropas de choque artísticas zombam do establishment russo

Por THOMAS PETER
Atualização:

Carregando sacos de alimentos roubados, Oleg Vorotnikov tira a bateria de seu celular antes de entrar na sede secreta de seu coletivo de arte underground na periferia de Moscou. "É para impedir que a polícia nos grampeie", disse o estudante de arte de 29 anos, que fundou o coletivo Voina (guerra) em 2007 com outros artistas politicamente engajados. Em um país em que a oposição tradicional ao governo vem perdendo força devido à apatia pública e ao jornalismo televisivo pró-Kremlin, esses artistas adotam uma abordagem diferente: eles zombam do establishment. Quanto mais absurdas suas intervenções, melhor. Eles se debruçam sobre seus laptops em seu QG, uma garagem improvisada, editando vídeos de sua performance mais recente: um chá das cinco improvisado numa delegacia de polícia. Por falta de cadeiras, eles se sentam sobre gaveteiros e um aparelho de TV. Máquinas fotográficas, filmadoras e livros de poesia estão espalhados pelo chão. "Sempre fazemos coisas que infringem as normas. Combinamos arte e política para realizar algo novo", disse Kotyonok, uma jovem esbelta que leciona física numa universidade de Moscou e deu apenas seu apelido, que significa "gatinha". "As pessoas assistem ao que fazemos e se chocam." O Voina ficou conhecido no cenário dos bloggers russos com uma performance que fazia um comentário irônico sobre a transferência de poder entre o ex-presidente Vladimir Putin e seu sucessor, Dmitry Medvedev, qualificada por opositores como não democrática. Um dia antes da eleição presidencial, em que Medvedev teve vitória arrasadora, cinco casais, incluindo uma mulher grávida que deu à luz quatro dias mais tarde, tiraram a roupa em segredo no Museu Biológico de Moscou. Diante de câmeras de vídeo do museu, eles fizeram sexo em frente a uma placa que pedia cópulas em apoio ao "sucessor filhote de urso" -- um trocadilho com o sobrenome de Medvedev, derivado da palavra "urso" em russo. EXPULSA DE CASA Dentro de 24 horas, os blogs que traziam fotos e vídeos da performance chegaram ao primeiro lugar no ranking da Internet na Rússia. Alguns internautas chamaram os participantes de "malucos", "comedores de merda" ou "animais". Um blogger sugeriu que eles deveriam ser fuzilados. Quando a mãe da mulher grávida a viu fazendo sexo na TV, a expulsou de casa. O Voina disse que eles tiveram que deixar sua sede antiga, sob pressão das autoridades, e que alguns membros ainda terão que enfrentar o castigo da lei por suas atividades. O grupo é mais vulnerável à acusação de "vandalismo", que pode levar a penas curtas de prisão. No momento, porém, apenas um de seus integrantes está sendo processado por atirar gatos durante uma performance do grupo. A arte engajada do Voina tira sua inspiração do conceitualismo de Moscou, movimento que começou nos anos 1970 com performances que subvertiam a ideologia socialista. Em vista da natureza repressora do Estado soviético, esses happenings tinham que ser realizados em segredo. Foi apenas quando o controle do Estado sobre as artes diminuiu, durante as reformas da perestroika promovida por Mikhail Gorbachev na década de 1980, que os artistas puderam levar seus eventos à esfera pública. Em abril de 1991, membros de um grupo formado em torno do artista, teórico de arte e curador russo Anatoly Osmolovsky se deitaram na Praça Vermelha formando com seus corpos nus a palavra "khui" (pênis, em russo). Os membros do Voina descrevem esse happening como inspirador, mas acrescentam que seria impossível fazer algo assim hoje, na "Rússia autoritária" -- onde, não obstante, eles conquistaram o respeito de setores do cenário artístico mais convencional. VELÓRIO NO METRÔ Em outro exemplo de arte performática, o grupo montou uma mesa num vagão do metrô, colocou comida e vodca sobre ela e realizou um velório em homenagem ao poeta absurdista Dmitry Prigov. Para comemorar o Dia Internacional do Trabalho, eles entraram num restaurante McDonald's e atiraram gatos vivos contra os funcionários. A idéia, disseram, foi ajudar a fazer os trabalhadores saírem da rotina enfadonha do trabalho manual. Por trás de suas façanhas bizarras, os artistas que compõem o coletivo Voina têm uma agenda política séria. "Se as autoridades dizem 'estamos construindo um Estado forte', o artista deve mostrar que não é o caso. Se elas disserem 'estamos melhorando a vida da população', o artista deve mostrar que isso é mentira", dise Vorotnikov durante o jantar, arrancando um pedaço do frango que tinha roubado de um supermercado. Mas os artistas dizem que seu trabalho também é uma jornada de autodescoberta, para ver até onde podem empurrar seus próprios limites como artistas e radicais. "Odiamos policiais, mas, se simplesmente os atacássemos diretamente, eles nos colocariam na prisão. Então escondemos nosso ódio por trás de arte, para que não possam nos pegar e possamos alcançar nosso objetivo em menos tempo", disse Kotyonok.

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