Trio de atores está afinado em 'Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios'

Filmagens foram realizadas em parte no Pará, em Santarém e Itaituba, às margens do rio Tapajós

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Por LUIZ ZANIN ORICCHIO - O Estado de S.Paulo
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Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios: esse título poético, tirado ipsis litteris do romance de Marçal Aquino, dá a Beto Brant e Renato Ciasca a chance de abrir novos caminhos em sua parceria de cineastas. Em certo sentido, é seguimento da investigação de Beto Brant sobre as relações amorosas radicais, como em Cão Sem Dono, Crime Delicado e O Amor Segundo B. Schianberg. Por outro lado, o triângulo amoroso, cujo vértice principal é a instável e envolvente Lavínia (Camila Pitanga), parece mesmo muito singular. Assimétrico, fecha-se com os outros dois polos da relação, muito diferentes entre si - o pastor Ernani (Zécarlos Machado) e o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado). O drama - porque se trata de um - dá-se na região amazônica. Mas nenhum dos três a ela pertence. Vieram de outra parte do País, o sudeste. Cauby veio por motivos misteriosos, mas se pode supor seja aventureiro da alma, um ser errante, desses que desejam ver coisas novas, pessoas diferentes, imergir em cultura alheia. É um fotógrafo. Profissão repórter, poderíamos ajuntar, como a de Jack Nicholson no filme de Michelangelo Antonioni. Um desgarrado de si mesmo, e talvez, como o outro, em busca de nova identidade. As filmagens foram realizadas em parte no Pará, nos arredores de Santarém e Itaituba, às margens do Tapajós, afluente do Amazonas. Lá, encontramos esse personagem talvez romântico e desiludido: Cauby; uma mulher de passado misterioso e temperamento oscilante como as marés: Lavínia; um pastor que destoa do estereótipo em geral associado a esses religiosos: Ernani. Os três, vividos por intérpretes magníficos e entregues por completo aos seus papéis. Uma palavra sobre Ernani: "Não quisemos vincular a figura do pastor Ernani a nenhuma ideia de fanatismo religioso; ele é apenas um idealista", diz Beto Brant. Esses personagens são vistos ora de perto, ora mais afastados, para que o contexto se imponha. A câmera "escreve" essa relação. Ora muito próxima aos personagens, em seguida se afasta para abarcar o entorno. Há um fluir suave das imagens, na contracorrente da estética publicitária dominante no cinema brasileiro. O efeito se explica pelo método: "Filmamos sempre em planos sequência (sem cortes), até o final de cada bobina de oito minutos", explicam Brant e Ciasca. É a segunda parceria entre os dois como diretores (a primeira foi em Cão Sem Dono) e a quinta, tendo Beto como cineasta e Renato como produtor. Velha amizade e antiga colaboração, que torna a "sociedade" autoral algo simples e complementar. Há que se destacar também o surpreendente registro visual do filme, em nada parecida com a pouco inspirada estética dominante do cinema brasileiro atual. Ele é devido a Lula Araújo, diretor de fotografia. Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios se constrói como mergulho radical no Brasil, país de felicidade e dores extremas, de cores e sombras, de pulsão pelo novo e conservadorismo. País de contrastes - como já definiu alguém. Para retratá-lo, um filme perfeito e certinho não bastaria. Melhor uma pintura imperfeita, mas como imagens tão vívidas que nunca nos saem da memória.

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