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Trilha em busca de um destino

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Por Redação
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O primeiro contato é com um "jardim" povoado por referências às esculturas de Richard Long, que se apertam fora da escala e dos ambientes que lhes conferem a potência trazida pelo difícil equilíbrio entre os silêncios e o passar do tempo. Instalado na entrada do teatro, esse espaço precisará ser atravessado pelo público. Uma simulação diminuta do caminhar na natureza do qual brota a criação de Long? O espetáculo que a Cia. Oito Nova Dança criou para o 14.º Cultura Inglesa Festival não somente se inspira como também usa o mesmo nome de uma das obras permanentes produzidas por Richard Long (Five Paths - 2004).A necessidade de atravessar o "jardim das esculturas" se complementa com a experiência que o público tem quando, já sentado dentro do teatro, transforma o espaço de onde acabou de vir em paisagem, através da "janela" que foi aberta na caixa arquitetônica do palco. Nela, Lu Favoretto, que completa o trio de criadores-intérpretes e dirige Cinco Trilhas, sentada de costas, transforma-se em um corpo-escultura. O projeto cênico, assinado por José Romero e Luciano Bussab, realiza com competência o propósito de citar um ambiente à la Richard Long. O problema aparece em duas situações estruturais: no por que realizar esse tipo de referência e em como ela se faz.A escolha da Cia. Oito Nova Dança, criada e dirigida há dez anos por Lu Favoretto, foi a de investir nos estados corporais que poderiam nascer do caminhar longas distâncias. Cada um dos três intérpretes dedicou-se a encontrar a sua paisagem e a sua trilha, mas a proposta acabou resultando em três "viagens pessoais" em torno de seus egos. Infelizmente, a anemia dos limitados recursos de movimento do trio impediu a corporificação da experiência pretendida, que foi confundida com uma celebração de hábitos motores. A direção musical e sonorização de Andrea Drigo, tendo promovido uma inadequada dramatização do espaço, colaborou para trivializar ainda mais a coreografia.A questão principal, contudo, refere-se ao porquê do projeto. É pública a exigência de que o artista brasileiro deve relacionar o seu trabalho ao de um artista inglês para poder participar do processo de seleção do Cultura Inglesa Festival. Do ponto de vista institucional, vale rever esse traço colonial, na busca de um outro tipo de ajuste para seus interesses de difusão. E quanto aos artistas brasileiros, cabe inventar formas de lidar com esse acordo. Quando o relacionamento entre o artista local e o internacional se dá por uma aderência excessiva - como é o caso em Cinco Trilhas - a ausência de problematização corre o risco de se transformar em uma subserviência que compromete a singularidade artística da obra que está sendo criada. / H.K.

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