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Trienal de Arquitetura em Oslo discute o futuro do conforto

No evento realizado na Noruega, profissionais defendem o conceito de uma sociedade sustentável como um desafio

Por Antonio Gonçalves Filho - Oslo
Atualização:

O conceito de uma sociedade sustentável mudou radicalmente nossa ideia de conforto, defendem os curadores da quinta edição da Trienal de Arquitetura de Oslo. Tanto pior para nós. Ou mudamos nossos hábitos de consumo ou, como diz o arquiteto Kim Skaara, presidente da Associação de Arquitetos Noruegueses, “iremos para o inferno de primeira classe".

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Para evitar isso, os participantes do encontro em Oslo passaram a quinta-feira discutindo O Futuro do Conforto, tema do ciclo de conferências que reuniu tanto arquitetos que defendem o luxo, como Nanne de Ru, um dos diretores da Powerhouse Company, como o polêmico venezuelano Alfredo Brillembourg, que denunciou justamente os autores de projetos exclusivistas, feitos para os ricos. Brillembourg defendeu a criação de estratégias globais sustentáveis e práticas informais de construção que contribuam para a melhoria das condições de vida da população de baixa renda, como a de Caracas, citando particularmente o teleférico usado pelos moradores das favelas da cidade.

O arquiteto Kim Skaara pareceu mais inclinado a apoiar as ideias radicais do venezuelano, mas não manifestou publicamente seu repudio à teoria de Nane de Ru, que, aliás, não vê mal nenhum em assinar projetos de luxo para milionários. O arquiteto, diretor da Berlage, não disse exatamente que o luxo pode salvar o mundo, mas recorreu a Thoerstein Veblen, autor de um dos primeiros estudos sobre o gosto da classe dominante (The Theory of Leisure Class), em busca de um argumento que justificasse os três projetos residenciais que apresentou, todos eles muito sofisticados e confortáveis, mas encomendados por milionários que ignoram a palavra sustentabilidade, um deles na Rússia dos novos ricos e mafiosos.

Já o venezuelano Brillembourg lembrou que, até 2025, o mundo terá mais 1 bilhão de pessoas em busca de moradia. A arquitetura, ao defender o voluntarismo dos novos ricos, não terá perdido, então, a legitimidade justamente por pensar mais na estética que na ética? Ele não chegou ao exagero de dizer, como declarou Manfredo Tafuri na Bienal de Veneza de 1985, que os arquitetos não têm mais lugar no mundo de hoje, mas evocou seu nome e o do artista plástico Hélio Oiticica para afirmar que a arquitetura, numa sociedade democrática, é obra coletiva, criticando os projetos de casas populares uniformizadoras, que impedem seus moradores de opinar sobre a (em geral péssima) arquitetura a que são submetidos arbitrariamente pelo poder público.

A utopia de Brillembourg é o parangolé de Oiticica, aquela capa carnavalesca com a qual o artista brasileiro vestiu sambistas da Mangueira, obrigando socialites a conviver com favelados numa festa do Museu de Arte Moderna do Rio, realizada décadas atrás. O venezuelano é um dos mentores do Manifesto “No” (Não), que defende a mesma posição do histórico Rayner Banham, para o qual a arquitetura “é algo muito importante para se deixar nas mãos dos arquitetos".

Brillembourg é favorável à ocupação de prédios abandonados nos centros das grandes cidades (como a Torre David de Caracas, um prédio de 45 andares onde vivem 3 mil famílias) e à construção precária, feita pelos próprios moradores. Ele reconhece que a Europa é um ótimo lugar para se viver, mas o continente que emergiu da 2.ª Guerra e hoje enfrenta tensão social, crise econômica e migração precisa mudar seu estilo de vida para tornar sustentável a arquitetura, especialmente abaixo do Equador. O venezuelano mostrou à seleta plateia da Trienal imagens das favelas venezuelanas e da brasileira Paraisópolis para tentar convencer os ricos europeus.

Em certo sentido, atingiu seu objetivo. A arquiteta e professora sueca Catharina Gabrielsson, ao relembrar como surgiram os corredores nas mansões antigas do seculo 17 (uma ponte entre o privado e o público), reiterou a tese de Brillembourg de que a Europa do século 21, mergulhada numa crise e ainda assim em busca do luxo e conforto, repete um procedimento da burguesia vienense do século 19, que, segundo o venezuelano, “criou uma cultura do estilo de vida em torno dela”.

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Louis Vuitton e bons vinhos fizeram, então, as pessoas esquecer da justiça social? Catharina acha que sim, citando um livro de Beatriz Calomina publicado há quase 20 anos, Privacy and Publicity in Modern Architecture: “Conforto é algo que fica entre a intimidade e o controle”. Ou seja: é um conceito cultural e politicamente construído que pode ser repensado, como está sendo repensada a privacidade nos tempos de internet.

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