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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

Três siricuticos

O primeiro: viajar, pagar uma fortuna por um café ruim no aeroporto, a fileira do meio do avião, o hotel ruim

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

O primeiro

Eu quero viajar. Pagar uma fortuna em um café ruim de aeroporto. Check-in antecipado. Expectativa do embarque. Fila desnecessária para o embarque. Pensar na mala. Medo de extravio. Esperança de romance entre desconhecidos que se encontram em um avião. Fileira do meio. Travado entre duas pessoas pouco amigáveis. Dor nas costas. Pernas adormecidas. Fila para o banheiro. Criança chorando. Beef or chicken? Coffee or tea? Remédios para dormir. 

Aeroporto em Londres Foto: Hannah McKay/Reuters

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A aeronave arremeteu uma vez. Apertar os cintos. Tentar lembrar de uma oração. Respirar aliviado. Correr para não perder a conexão. Perdê-la. Me perder em um aeroporto desconhecido. Pegar uma van no desembarque. Chegar ao hotel e descobrir que foi enganado pelas fotos no site. Tomar um banho e sair andando pela cidade. 

O primeiro museu. A primeira foto. O primeiro vinho. A primeira promessa de não realizar conversões mentais. Cartão de crédito tremendo na mão. Só se vive uma vez.

*

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O segundo

Eu quero festa. Escolher a camisa que esconde a barriga. Banho mais demorado. “Esquenta” em casa. Umas três gim tônicas para chegar no “grau”. Chamar um aplicativo de carro. Aglomerar no carro. Cantar uma música ruim. Fila na porta da balada. Encontrar conhecidos na fila. Comprar latinhas de cerveja para tomar na fila. Maldita fila que não anda. Arrependimento por não comprar ingressos antecipados. 

Se interessar por alguém na fila. Ela já está acompanhada. Ser revistado de forma ostensiva. Um mar de gente na balada. Demorar uma eternidade para chegar no bar. Cerveja gelada. Vodca barata. Fingir que sei dançar. Dançar. A culpa é sempre do DJ.

Tentar puxar assunto com uma desconhecida que não me escuta. Sentir calor. Me afastar da pista para descansar. Me decepcionar com a noite. Ir embora sozinho. Parar na van do Dog. Pedir um dogão completo. Comer um dogão sentado em um banquinho de plástico. Purê e batata palha na minha calça jeans. Achar que tive alguma epifania. Não tive. Chamar o aplicativo de carro. Me jogar na cama com a mesma roupa da balada. 

*

O terceiro

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Eu quero você na minha casa. Quero arrumar minha casa para te receber. Quero me arrumar também. A excitação do interfone tocando. O porteiro repetindo seu nome com uma voz que me parece maliciosa. A campainha tocando. Uau! 

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Ficar na duvida sobre o tom do elogio. Tentar não parecer ansioso. Ansiedade é um problema. Beijo no rosto. Abraço. Não olhar para o decote. Morar no decote. Tour pelo apartamento minúsculo. Para uma pessoa sozinha até que está bom. Falar do condomínio e aluguel. Vai beber o quê? Eu é que sei? Eu não sei nada (não falo, mas penso). Vou fazer um martini. Colocar um som. Já ouviu o Wilco? Uma ou duas azeitonas? Piadinha sobre calorias. Vamos para o sofá. 

Conversa fiada. Olhares que se cruzam. Mão na perna. Distância encurtada. Beijo. Beijo. Roupas no chão da sala. Procurar o preservativo. Falar besteira. Sentir o coração batendo. É a vida. É a vida. Relaxar. Olhar para o teto. Preparar outra bebida. Ficar em silêncio. Começar de novo. Devagar. 

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